Folha de S. Paulo


Livro mostra como a figura paterna ganhou espaço na ciência e na sociedade nas últimas décadas

As mães podem até discordar, mas os pais já foram promovidos de coadjuvantes a atores principais na criação dos filhos. Pelo menos no campo científico, segundo o escritor americano Paul Raeburn, autor do recém-lançado "Do Fathers Matter?" ( "Os pais importam?", sem edição no Brasil).

No livro, Raeburn, que é jornalista de ciência, reúne achados de pesquisas para advogar em defesa do papel do pai, da gravidez até a vida adulta.

Raquel Cunha/Folhapress
 O administrador, Mauricio Danna, 41,reserva pelo menos dois dias da semana para ficar com a filha Malie durante a tarde
O administrador, Mauricio Danna, 41,reserva pelo menos dois dias da semana para ficar com a filha Mali durante a tarde

Por exemplo: há mais risco de um bebê nascer prematuro se ele não tiver contato com o pai durante a gestação; já crianças cujos pais dividem as tarefas com as mães têm menos problemas de comportamento nos primeiros anos escolares -e por aí vai.

Mas a importância do pai nem sempre foi tema de estudo. "Há uma geração, a maioria dos especialistas duvidava que os homens contribuíssem com algo além do salário", disse Raeburn à Folha, por e-mail.

Só depois dos anos 70 que a psicologia passou a olhar a paternidade com outros olhos. "Estão descobrindo que os pais são intimamente ligados com os filhos de maneiras que ninguém imaginava", acrescenta.

A descoberta não foi por acaso. As taxas de divórcio aumentaram, as mães que começaram a trabalhar fora pediram socorro e a sociedade começou a questionar qual seria o papel dos pais, explica a psicóloga Milena da Rosa Silva, que pesquisa o tema e é professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Até hoje, definir a função paterna não é simples. "As famílias estão muito perdidas, estamos em um momento de transição. Exige-se dos pais que eles participem mais, mas não fica muito claro o que eles devem fazer na prática", afirma.

Mesmo para a psicologia os conceitos estão diluídos. "Tradicionalmente a função paterna está relacionada com a autoridade e a função materna com o cuidado. Mas hoje tudo passou a ser compartilhado", diz Marcos Naime Pontes, psiquiatra e terapeuta familiar.

FAZ TUDO
No caso do administrador de empresas Maurício Danna, 41, até os compromissos da gravidez foram divididos. "Fui sozinho em reuniões de um grupo de grávidas porque minha esposa trabalhava. Eu era o único homem sozinho e até virei motivo de piada, porque pensavam que a grávida não existia e eu era um doido", conta.

Ele e a esposa têm um "combinado doméstico" para cuidar da filha Malie, 2: a manhã é do pai e a noite é da mãe. "Eu a acordo, ajudo a se vestir, dou café da manhã, levo e busco na escola todos os dias. E à noite é mais minha esposa que cuida."

Para ele, pai e mãe têm o mesmo papel. "Somos dois atores principais, não há um principal e um coadjuvante", diz.

É o que também pensa o fisioterapeuta Rodrigo Maia Caporossi, 33. "Não tem aquela história de o pai ficar com a parte legal e a mãe com a chata. Faço as duas coisas", afirma ele, que divide com a ex-mulher a guarda do filho Lucas, 2.

Mas tanto Rodrigo quanto Maurício não encontram muitos pais nos compromissos que vão. "Tenho a impressão de que a maioria dos pais que conheço só ajudam as mulheres, ainda não dividem 100% as tarefas", diz Rodrigo.

A mesma opinião tem a consultora de carreira Lisa Bueno, 40, que criou a página "Paternidade Ativa" no Facebook para militar contra o "pai-ajudante". Em pouco mais de um mês arrebanhou 1.600 seguidores, a maioria mulheres.

"Os pais não são mais ativos muitas vezes porque as mulheres não deixam, não querem perder o controle. Eu já tive essa postura de 'o filho é meu'. As mães têm que deixar e insistir para que o pai participe."

A psicanalista Marcia Neder, autora de "Déspotas Mirins" (Zagodoni, 144 págs., R$ 34) concorda que o protagonismo dos pais, apesar de ser tendência, ainda é exceção, mas evita culpar a mãe.

"Agora até o pai folgado é culpa da mãe? Não é bem assim. O pai que quer ser pai, é, se impõe, não precisa que a mãe deixe", diz.

Raquel Cunha/Folhapress
O fisioterapeuta Rodrigo Caporossi, 33, tem a guarda compartilhada do filho Lucas, 2,
O fisioterapeuta Rodrigo Caporossi, 33, tem a guarda compartilhada do filho Lucas, 2,

Para ela, não vale a pena discutir qual seria a função paterna porque os papeis podem e devem ser iguais. Na mesma linha vai a psicóloga Belinda Mandelbaum, professora da Universidade de São Paulo.

"Não vejo diferença. É claro que a relação da mãe com o filho não é igual a do pai. Faz diferença porque são pessoas diferentes, com jeitos diferentes. E isso para a criança é muito positivo, porque ela vai aprender que há várias formas de agir e de pensar", diz Mandelbaum.


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