Folha de S. Paulo


Brasileira que chefiará convenção-quadro contra tabaco critica a pressão da indústria

A partir de junho, uma brasileira terá a tarefa de organizar as discussões e práticas mundiais relacionadas às políticas antitabagistas.

A carioca Vera Luiza da Costa e Silva, 62, estará à frente do secretariado da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, tratado internacional negociado sob patrocínio da OMS (Organização Mundial da Saúde) em vigor desde 2005. Nos próximos quatro anos, ela trabalhará na sede da OMS em Genebra.

Chris Black/OMS
Vera Luiza da Costa e Silva, que chefiará a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco
Vera Luiza da Costa e Silva, que chefiará a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco

Coordenadora do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública (Fiocruz), Silva critica o que vê como "lobby nefasto" da indústria do tabaco no Judiciário, que conseguiu suspender o veto da Anvisa aos aditivos de sabor.

Ela defende que o Brasil se articule para barrar o comércio ilícito de cigarros e, para isso, vê como fundamental o engajamento do novo ministro da Saúde, Arthur Chioro.

Folha - Como a sra. avalia a atuação do Brasil no combate ao tabagismo?
Vera Luiza da Costa e Silva - Tem avançado muito no controle do tabagismo. O país não se furtou a fazer o que precisava, mas algumas áreas estão um pouco lentas.
Uma é a regulação da lei [federal] de 2011 que cria ambientes livres de fumo e encaminha a proibição da publicidade nos pontos de venda.

Outra é a definição do papel regulatório da Anvisa na área do tabaco, que vem sendo questionado. É preciso que haja uma mensagem clara do Judiciário de que a Anvisa pode e deve regular todos os produtos legais de consumo que afetam a saúde do brasileiro.

Uma terceira é a interferência da indústria do tabaco sobre as políticas governamentais. A indústria possui lobistas para impedir que regulações mais restritas passem, e vem tentando corromper o Judiciário para impedir que a proibição dos aditivos [estabelecida pela Anvisa em 2012] entre em vigor. E ela precisa entrar. É pelas nossas crianças que temos que fazer isso.

Esse lobby da indústria é nefasto e coloca o país para trás. Ele torna o Brasil cada vez mais subdesenvolvido.

Há chances de o país avançar nas políticas em ano eleitoral?
Ainda há tempo hábil para que essa regulação [dos ambientes livres de fumo] seja assinada [pelo governo federal]. Até onde eu sei, essa regulamentação já está pronta. É uma questão de se dar prioridade a isso. A Anvisa apoiou, no final do ano, a adoção das embalagens genéricas do cigarro, mas qual é a chance de uma medida polêmica como essa prosperar?

Como classificar as políticas antitabagistas brasileiras no contexto internacional?
Apesar da pressão da indústria no Brasil, continuamos na vanguarda. Temos desafios: o comércio ilícito do tabaco, ajustar o tratamento dos fumantes e não se deixar influenciar pelo lobby da indústria, que usa grupos de fachada. Ela tem usado plantadores de fumo, como se [adotar medidas restritivas ao tabaco] fosse influenciar a política econômica, diminuindo a demanda pelo produto e a oferta de trabalho. Não é verdade: a maior parte do fumo brasileiro é exportado.
O governo tem que estimular as políticas de diversificação e substituição das culturas. Isso é um grande passo.

Qual é o peso do comércio ilícito? E como o protocolo sobre o tema, adotado na Convenção-Quadro, pode ajudar?
O comércio ilícito é um problema que transcende fronteiras. O Brasil é o maior exportador de fumo em folha do mundo e exporta para países vizinhos, que têm, na divisa com o Brasil, fábricas que manufaturam os cigarros, que voltam ilegalmente para o Brasil, estimulando o consumo pelo preço mais baixo e aumentando a criminalidade.
Não vai haver solução sem que o país se articule com Uruguai, Paraguai, Argentina e Bolívia. A tônica do protocolo de comércio ilícito [adotado no âmbito da Convenção-Quadro, mas que precisa ser ratificado por 40 países para entrar em vigor] está na cooperação internacional.
É muito importante que esse protocolo entre em vigor o quanto antes para que se criem sistemas de monitoramento do caminho desses produtos de tabaco. É nisso que está a necessidade de o Brasil manifestar seu apoio ao tratado e ratificar o tratado.
O novo ministro da Saúde [Arthur Chioro] tem de incentivar esse tipo de processo. Se a Saúde não fizer pressão, outros setores dificilmente vão ser convencidos a fazer isso.

OUTRO LADO
Por meio de sua assessoria, a Souza Cruz afirmou que "não há 'lobistas', e sim uma indústria legalmente estabelecida e que gera cerca de 200 mil empregos".

"Todos têm direito de se manifestar e de defender suas opiniões e interesses e levar para apreciação do Judiciário as legislações que julguem inconstitucionais, desproporcionais ou que não levem em conta o mercado ilegal de cigarros, que vem aumentando a cada ano e traz enormes prejuízos à sociedade."

Por fim, afirma que a empresa fabrica seus produtos para adultos que decidiram fumar por livre escolha, conscientes dos riscos associados.
A Abifumo (Associação Brasileira da Indústria do Fumo) e a Philip Morris não quiseram comentar.


Endereço da página: