Folha de S. Paulo


Quase não tive química no ensino médio, diz aluna de escola pública

Durante uma hora e meia, Barbara Dayrell, 18, conta que aprendeu mais sobre química do que nos três anos do ensino médio. Era sua primeira aula no cursinho pré-vestibular FEAUSP. Ela também foi aluna no projeto Descobrindo o Sonho Jovem, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

"Fiquei muito envolvida no projeto e passei a ter mais contato com educação." Esse seu envolvimento a levou para o Movimento Mapa Educação, que reúne jovens que se mobilizam para mudar a educação no país e está na final do Prêmio Empreendedor Social de Futuro, onde hoje é embaixadora.

"Descobri [no movimento] que educação não é você chegar à escola, sentar, escrever, ler, entregar a prova e ponto." Outra de suas descobertas foi estudar fora, e a jovem se inspira na cofundadora do Mapa Tabata Amaral para chegar lá. "Muitas dessas pessoas saem da periferia para conquistar o mundo."

Leia seu depoimento à Folha.

*

Sempre estudei em escola pública, desde o ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio, quando comecei a fazer cursinho pré-vestibular na USP (Universidade de São Paulo).

Eu tenho vários amigos que estavam prestando vestibular e eles sempre falavam que eu tinha que prestar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), mas eu nem sabia o que tinha de fazer depois. Então, participei de um projeto chamado Descobrindo o Sonho Jovem, no Capão Redondo [zona sul da capital paulista]. São workshops nos quais a gente trabalha autoconhecimento, inspiração e ação.

ESCOLHA DO LEITOR

Eu participei como aluna, gostei muito e comecei a ser voluntária. Os criadores desse projeto, o João [Victor Araújo] e o Gustavo [Torres], tiveram muitas oportunidades legais, ganharam bolsas de estudo.

Eles foram estudar numa escola muito boa aqui de São Paulo, o colégio Santo Américo, e eles queriam retribuir todo o conhecimento que estavam tendo, todas as oportunidades que sabiam que a gente não tinha.

Fiquei muito envolvida no projeto e passei a ter mais contato com educação.

No meu primeiro dia de aula no cursinho, na primeira aula de química, que era de uma hora e meia, eu aprendi mais do que nos três anos no ensino médio. Eu praticamente não tive química no ensino médio. Já estava no terceiro ano e aquilo foi desesperador.

Eu sinto como se tivesse perdido três anos. Ia todos os dias para escola, não faltava, era uma aluna boa e descobri que não. Eu não estava aprendendo quase nada, e tudo aquilo não era suficiente se eu quisesse passar no vestibular.

Eu queria muito prestar medicina. Pensei: 'Meu Deus, vou ter que correr muito atrás, vou ter que fazer dois, três, quatro anos de cursinho para isso'. Foi bem triste.

Já estou no meu segundo ano de cursinho pré-vestibular. É muito proveitoso, eu sinto prazer em estudar. Descobri novos amores, que eu gosto de matemática. Não quero mais medicina porque já descobri vários outros cursos e ambientes que me interessam.

Um exemplo é o Mapa Educação, uma forma de eu não pensar só no vestibular, mas em outras coisas que também são relacionadas à educação.

Do mesmo jeito que eu não tive muita oportunidade, que eu estudei numa escola ruim, tem muitas outras pessoas que também não tiveram essas oportunidades. A gente tem que batalhar muito conseguir chegar aonde a gente quer.

Eu quero entrar numa faculdade que seja boa e em um curso e uma carreira que também me façam feliz. Só isso.

Eu sou embaixadora do Mapa Educação, represento o Estado de São Paulo. E o nosso principal papel é ajudar na divulgação, levar o Mapa para o Brasil inteiro. Temos embaixadores em todos os Estados e a nossa função é trazer mais gente para o projeto.

Eu descobri outras coisas sobre educação. Descobri que educação não é você chegar à escola, sentar, escrever, ler, entregar a prova e ponto. A educação tem várias outras faces. É arte, conhecimento geral sobre tudo, é ter contatos e sair do seu mundo para descobrir outras coisas.

A principal descoberta é sobre estudar fora. Tem muita gente no Mapa que conseguiu. Dentro da minha realidade, antes de conhecer o Mapa, eu não sabia que era possível.

Uma das minhas maiores inspirações foi o Gustavo Torres, o menino que criou o Descobrindo o Sonho Jovem.

A gente estudou na mesma escola, que é pública, morou no mesmo bairro e ganhou bolsa numa escola muito boa. Acabou prestando para várias universidades fora do Brasil e passou em praticamente todas.

Agora, ele estuda em Stanford. É minha maior inspiração. Cresci vendo ele estudando, se esforçando, dando o máximo, tendo oportunidades, tendo a chance de estudar numa escola melhor, ter um ensino melhor e conseguir chegar aonde ele sempre sonhou.

Ter só um exemplo isolado de uma pessoa que você conhece é muito diferente de você ver várias pessoas que também vieram de realidades parecidas e tiveram oportunidades muito bacanas.

Estudar fora é uma coisa incrível, passar anos em culturas diferentes.

Por isso, queremos que a educação no Brasil seja melhor, que a gente tenha mais igualdade. Tenho consciência de que temos uma educação muito desigual.

Acho que a história da Tabata [Amaral, cofundadora do Mapa Educação que estou em Harvard (EUA)] é um pouco mais parecida com a minha. Somos de uma realidade parecida, da periferia de São Paulo. Por isso e pelo fato de ela ser mulher, eu me inspiro muito mais nela e tenho um pouco mais de contato com ela por causa disso.

Muitas dessas pessoas saem da periferia para conquistar o mundo. Quando vão para universidade muito conhecida, tipo a USP, Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), dizem: 'Ele teve sorte'.

A gente tem que se esforçar muito, procurar contato. Se envolver em projeto, porque é muito difícil estar sozinho nessa caminhada.

Meu sonho é que a escola não fosse simplesmente para chegar e estudar para uma prova ou para o vestibular. Que você conseguisse aprender a cozinhar, costurar, montar coisas, que fosse uma coisa mais ampla, que conseguisse aprender várias coisas para aplicar no seu dia a dia.


Endereço da página:

Links no texto: