Folha de S. Paulo


Não pego microcrédito para luxo, mas para plantar, diz bananeiro de sucesso

Para conseguir crescer seu negócio de venda de bananas em Aldeias Altas (MA), Esiel Almeida, 53, recorreu ao microcrédito por meio dos chamados grupos solidários. "Mas foi enrolado, me deram uma bucha, até hoje tem gente me devendo", conta.

Conseguiu pegar um empréstimo individual com a Avante, negócio social que leva serviços financeiros a quem não tem acesso, principalmente no Nordeste, e que está na final do Prêmio Empreendedor Social.

"Ter um crédito individual está uma maravilha", diz o bananeiro de sucesso para quem ter o nome limpo é tudo. "Pobre, velho, feio e nome sujo, não dá. É triste."

Leia o depoimento de Esiel à Folha.

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Para criar esses filhos, saíamos muito cedo para a roça com os meninos. Minha mulher levava a bacia de comer, cheia de arroz, e quebrava sozinha 15 kg de coco de babaçu.

ESCOLHA DO LEITOR

Um dia, dentro do mato, sozinho, eu me ajoelhei e pedi: 'Deus, por que é que você dá as coisas pros outros e não pra mim?'

Todo mundo com o bolso cheio de dinheiro e eu com o bucho cheio de cachaça. Eu pedi: 'Me dê uma chance, uma condição, mas não me dê orgulho nem riqueza'.

Quando cheguei aqui em Aldeias Altas, fui na feira e vi que uma dúzia de banana é o preço de um cento lá no mato. Pensei: 'Olha, o negócio é por aqui'. Isso com o litro de pinga na mão, cachaceiro manso. A mulher ia quebrar coco e eu saia escondido para beber cachaça. Até que meu sogro, que era da umbanda, me deu um remédio da mata. Foi a última cachaça que tomei.

Minha mulher pegou um troquinho de um negócio na justiça, uns R$ 8.000. Nós usamos pra comprar banana e essa casinha. Pagamos as continhas que devíamos. Aí abrimos a porta da venda.

Com 22 dias, eu entrei com uma caixa de banana aqui. No mato, eu comprava a R$ 20 um milheiro. E aqui eu vendia a R$ 70.

Ninguém confia num cachaceiro. Eu fui ganhando a confiança do povo.

MICROCRÉDITO

Eu também trabalhei muito com empréstimo, o que tem me levantado. Um amigo meu me levou numa casa de construção e foi o primeiro empréstimo que eu consegui. O povo dizia 'O bananeiro tá enricando'. Meu nome cresceu na praça.

Comecei recebendo empréstimo, com ajuda desse amigo, mas depois peguei no Banco do Nordeste. Mas foi enrolado, me deram uma bucha [no grupo de crédito solidário], até hoje tem gente me devendo. Para não sujar o meu nome, eu pagava a parte dos outros.

Hoje, com a Avante, eu faço empréstimo sozinho, no meu nome mesmo. Ter um crédito individual está uma maravilha.

Já tirei uns quatro ou cinco empréstimos [com a Avante]. O último foi R$ 6.000. Teve um que eu tirei, mas acabei gastando o dinheiro com doença.

A gente tinha uma condiçãozinha, um capital de giro, mas depois do acidente de moto do meu filho, nós gastamos muito. Aí foi todo o dinheiro que nós tínhamos. O dinheiro de roçar o bananal, de comprar o veneno. Só queria saber de salvar meu menino. Meu carro foi vendido. Os outros irmãos que tinham uma economia gastaram tudo também.

Em São Luís, foram 45 dias de hospital. Mas graças a Deus hoje a gente está contando vitória. Meu filho está se recuperando e já pagamos as dívidas. As do mês de dezembro paguei em julho.

DINHEIRO DE BANANA

A banana trouxe muito, muito resultado. Tudo aqui em casa foi com dinheiro de banana. Hoje tenho nome limpo, crédito na praça, não devo em loja. Tudo controladinho. Nós não devemos a ninguém.

A diferença [da Avante] é que eu pago só. Eu não espero por ninguém e pago direitinho. Tive um atraso, com a doença do menino. Mas aí eu falei com o Benedito [agente de crédito]: 'Segura a barra que eu não tenho dinheiro'. Atrasei uns 12 dias, mas a gente ajeitou tudo no final.

Quando eu paguei antecipado, eles deram desconto. Digo: 'Tô precisando de um dinheiro aí pra comprar umas bananas'. Eles só dizem: 'Rapaz, seu dinheiro tá na conta'.

FUTURO

A única coisa que não tenho é o estudo que eles têm. É só isso que me faz inveja. Não invejo dinheiro, carro novo. Não tenho celular.

Com o comércio de banana, eu quero conquistar um carro pra eu trabalhar, pois não quero deixar meu comércio cair.

Compramos agora um terreno, de R$ 100 mil. Parcelado, né? Demos R$ 20 mil. Queremos plantar mais bananas, para ter mais fonte de renda, porque eu sou animado com banana.

Eu boto uma penca de banana na bicicleta e vou vender na rua. Sou um vendedor de sucesso. Para vender e para dançar em 'riba' de caminhão vendendo banana, é comigo mesmo. Sou dançador de reggae, do que for. E ganho dinheiro.

RIQUEZA

O microcrédito é um dinheiro que a gente pega que é como uma onça. Você está num beco sem saída, corre lá e pronto: 'Paguei, tô livre'. O que eu tinha que pagar agora vou pagar daqui a 30 dias. Do último dinheiro, eu já paguei duas letras e faltam quatro. Aí já faço outro [empréstimo] e começo de novo.

Se for na época de comprar veneno para tratar do bananal, pego R$ 6.000 aqui, corro lá e compro o veneno para plantar. A gente não pega microcrédito para comprar roupa, luxo, perfume bom.

Todo o tempo eu amei meu nome limpo. Pobre, velho, feio e nome sujo, não dá. É triste. Se eu estivesse com nome sujo, estaria morto de vergonha, não seria um cidadão. Tem que negociar as dívidas, correr lá e conversar, dizer quando vai atrasar.

A minha inteligência é o que eu quero deixar para os meus filhos. Estudo eles não quiseram, só trabalho. Minha maior riqueza é minha saúde, o crédito que tenho na praça e a felicidade do meu rosto. Sou rico. Dessa porta aqui até chegar na cozinha, por onde passar, vai achar o que comer na minha casa.

Meu comércio aqui tem o nome de cabarezinho. Nem abriu e já tem cliente. Começa 5h30 e vai até 21h. Num dia fraco é R$ 400.

Eu sou um homem feliz, só tenho que agradecer a Deus e aos bancos que me dão um monte de crédito.

Não tem sociedade minha e da minha mulher não, aqui só tem amor. Nosso dinheiro tá lá dentro, é nosso, eu preciso e pego, ela precisa e pega. Nós só combinamos de reservar o dinheiro do banco quando está chegando a prestação. Nós nunca brigamos.

Eu ganhei um prêmio da loteria, um milagre. O demônio da cachaça saiu, tenho saúde e eu sou vitorioso. Nessa briga toda, minha família em nenhum momento me desprezou.

Meu maior sonho é comprar uma 1620, uma Mercedes trucada, para eu comprar coisa longe e trazer pra cidade. Queria também fechar 200 linhas de banana, mas não achei terra ainda. Mas com fé em vou conseguir. E depois vou armar uma rede e falar para os meninos: 'Agora, vocês vão trabalhar que o 'veião' vai só namorar'.


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