Folha de S. Paulo


'Paguei a melhor faculdade para meu filho', diz vendedora de coxinha do CE

Conhecida como "Maria das Coxinhas", Maria dos Santos, 56, começou do zero para abrir sua loja de salgados em Maracanaú, região metropolitana de Fortaleza.

Começou vendendo cinco unidades e hoje produz 500 salgados por dia na lanchonete que abriu na garagem de casa. O negócio que vem crescendo com apoio do microcrédito da Avante, finalista do Prêmio Empreendedor Social 2017, gerou frutos para toda a família.

Maria das Coxinhas se orgulha de ter custeado a melhor faculdade de jornalismo da capital cearense para o filho mais velho, o primeiro dos Santos a ter curso superior.

Leia abaixo o relato da microempreendedora que tem planos de expansão do negócio e também de bancar os estudos da neta.

ESCOLHA DO LEITOR

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Eu meto a mão na massa mesmo, trabalho assim, uniformizada igual a todo mundo, não tem diferença não. Chegam aqui perguntando: 'Quem é a dona Maria?'. 'Sou eu, Maria dos Santos ou Maria dos Salgados. Maria da Coxinha também'.

Tenho dois filhos. Por enquanto, sou separada e faz uns 20 anos que sou empreendedora. Não sei de onde veio isso, acho que foi o destino.

Eu trabalhava antes com costuras e à noite fazia bolo, salada, salgados e levava para vender na firma. O que eu ganhava com salgado era o dobro do meu salário como supervisora de uma confecção.

Eu morava muito longe, gastava quase duas horas com transporte. Meus filhos eram pequenos, e eu pensei em trabalhar em casa para ficar mais tempo com eles. Pedi as contas e comecei a fazer cinco coxinhas no dia. Vendia, à noite pegava o dinheiro e comprava matéria-prima. E foi aumentando. Hoje, a gente faz acima de 500 salgados por dia. Vendo só aqui em casa, na minha lanchonetezinha.

Foi só a ajuda divina mesmo para chegar até aqui. Não tem outra explicação. Quando comecei, que vi que o negócio estava bom, foi bem na época que eu me separei, depois de 19 anos de casada. Fiquei meio abatida, mas levantei e pronto, parece que vim com mais força.

Eu trabalho direto, das 4h30 até a hora que fecha. No batente, fazendo tudo. Graças a Deus tenho muita saúde e disposição.

Tenho uns funcionários, mas eu gosto de estar no meio. É o segredo do negócio. Por incrível que pareça, minha produção é o trabalho de três funcionários, tenho habilidade. Eu desenrolo tudo e ainda venho para o caixa na parte da tarde. Faço bolos, salgados, sucos, toda a fritura, os recheios. Tudo passa por por mim.

FINANCEIRO

No começo foi só a força de vontade e a força divina. Os empréstimos vieram depois. Bem depois. O primeiro, eu fiz só por curiosidade. Tô amando, ajudou muito. A gente tinha que escrever tudo que ia fazer com o total do dinheiro, o que ia para massa, carne, queijo.

Todo o dinheiro tinha que ir para matéria-prima, no Banco do Nordeste. Fiquei muito tempo lá e só saí por alguns problemas do grupo [solidário] que a gente trabalhava. Tinha dez pessoas, alguns não pagavam, aí sobrava para mim.

Eu pagava as prestações todas, depois o pessoal não me devolvia. Ainda hoje, com três anos que me afastei, tem gente me devendo. Quantia bem alta.

Conheci a Avante. O agente veio aqui, eu confiei e fui. Fiz o primeiro, o segundo, esse é o terceiro. Foi só para comprar matéria-prima. O último não foi para uma coisa boa, pois usei para demitir algumas pessoas. Mas valeu, né? Foi uma ajuda grande.

Não atraso os pagamentos. Meus boletos são todos em dias, graças a Deus. O maquinário eu comprei juntando dinheiro. Aí fui na loja e comprei tudo de uma vez, quando tinha juntado R$ 10 mil.

O melhor [da Avante] é a gente não precisar sair de casa nem para ir até o banco. É muito mais fácil. Não tem aquele grupo horrível. O rapaz vem aqui e, quando menos espero, olho na conta e o dinheiro tá lá. Cai do céu mesmo. E para pagar é uma maravilha.

Eu renovei o empréstimo esse mês, o terceiro. O primeiro foi de R$ 3.000, depois foi R$ 8.000 e esse foi R$ 12.000. E vai dar certo. A gente só trabalha com dinheiro. Meu lanche é barato, todo mundo compra. O bom disso é que se eu comprar R$ 1.000 de manhã, à noite já tô com esse dinheiro.

Não sei mexer muito na internet, na maquininha [de cartão, fornecida pela Avante], mas acho que vai facilitar. Temos de acompanhar os outros, aqui somos muito atrasados. É tudo manual. Mas assim tá dando certo, né?

'MARIA DAS COXINHAS'

A coxinha custa R$ 3. O especial dela é que é feita com muito amor, é grande, bem recheada. Não tem para ninguém.

Não tinha nada de salgado aqui perto. E o pessoal começou a falar: 'Vai lá na Maria das Coxinhas'. Aí pegou. Acho que a simplicidade é que fez meu sucesso, me dou com meus clientes né?! Faço muita amizade.

Sou muito feliz porque consegui formar o meu filho em jornalismo. Paguei a faculdade dele com o dinheiro daqui. E só tenho a agradecer a Deus.

Tive a ousadia de formar meu filho na Unifop, a melhor. No dia da festa, eu disse para ele que não podia sair daqui, mas fui obrigada a tirar um tempo para ir na formatura. Ele disse: 'A senhora tem que ver onde a senhora empregou o seu dinheiro'.

Tive que dar um trato no cabelo, tomei um banho mais direito, para ir para a festa dele. É um orgulho. Ele é muito orgulhoso de mim, muito carinhoso e tá muito bem empregado. Não imaginava que as coxinhas dessem nisso.

É o primeiro da família a chegar na faculdade. Só ele que mora comigo, a outra foi morar na Bélgica. Agora estou encaminhando a neta, que é filha dela e eu crio. Está fazendo o terceiro ano e está contando com a faculdade que eu vou pagar com as coxinhas, os salgados.

EXPANSÃO

Agora, estou ficando até preocupada, a gente está crescendo muito e eu não estou conseguindo nem acompanhar. Parece que tá crescendo mais que as minhas forças. Mas vai dar certo.

Eu fiz um pequeno curso para ter uma base de como cozinhar. É bom que qualquer receita que eu pegar, eu faço, igualzinho. É um dom. Reformei [o local] há uns seis anos.

Em frente, era uma rampa de lixo. Sofria com o cheiro. Então resolvemos colocar esses banquinhos. Ficou bonito. À tarde, à noite, é cheio de gente. Melhoraram as vendas e a segurança.

Tem que ter controle para o negócio dar certo. Está faltando a gente colocar um sistema digital, para que fique uma pessoa no caixa e eu possa controlar a produção. Precisamos fazer isso o mais rápido possível.

Quem começa do zero sofre para chegar aonde quer. Eu sonho tanto que acho que nem durmo. O maior deles foi ter conseguido formar meu filho. Só estudei até o oitavo ano, aí casei, comecei a trabalhar igual louca e nunca mais tive tempo para estudar. Mas nunca é tarde né?! Minha irmã se formou com 60 anos, por que eu não posso continuar?

Eu preciso, mas não tenho tempo, a luta é muito grande. Eu já sei de computador, não tudo, mas aprendi um pouco com minha neta. Gosto de comprar celular bom, computador bom, não mexo porque não tenho tempo.

Sou daquelas que não gosta de sair de dentro de casa, me mato aqui dentro de trabalhar. E quando fecho, a minha casa é aqui atrás. É meu repouso, meu lazer é aqui. Não sei se está certo ou errado, mas é assim que eu gosto de viver.


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