Folha de S. Paulo


Uso material reciclado para dar um recado, diz artista plástico

"A arte me resgatou", diz o hoje artista plástico Sandro Rodrigues, 42. Ele ainda visita a periferia de Pirituba, na zona norte de São Paulo, onde cresceu, mas passa os dias produzindo quadros e peças cênicas em seu ateliê, no Belenzinho, zona leste.

Sua infância e a adolescência foram marcadas pela pobreza. Sem a figura paterna, começou a trabalhar aos 11 anos. Experimentou drogas e, por muito tempo, se sustentava com um salário mínimo.

"Nos momentos de desemprego, fazia esculturas", lembra. "Quando comecei a trabalhar com arte e reciclagem, em 1998, tinha 24 anos, isso resgatou minha humanidade."

Quando se descobriu artista, passou a usar as experiências ruins do passado para ajudar outros jovens, como os moradores de rua que empregou ao fundar uma cooperativa de decoração com materiais reciclados em 2004.

Impõe a bandeira da sustentabilidade em suas obras, mas engana-se quem pensa que é pelo custo dos materiais recicláveis. "Não é mais barato. Preciso achar o material, selecionar, transportar e lavar para então começar", explica o artista, que usa seu trabalho para "dar um recado": "A sustentabilidade não é importante, é fundamental".

Sua mensagem pôde ser vista durante a Virada Sustentável 2017, onde ficou exposto um quadro feito com cerca de 2.000 tampinhas de garrafa no centro comercial Vila Butantan.

Leia seu depoimento à Folha.

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Cresci na periferia de Pirituba. A periferia é um lugar esquecido. Não tive pai e com 11 anos comecei a trabalhar para ajudar a minha mãe e meus dois irmãos.

Fiz curso de mecânica, trabalhei com flores num supermercado, numa livraria, num lugar que fazia testes para o Inmetro. Sempre ganhei um salário mínimo. O trabalho não fazia sentido e acabava sendo demitido.

Tive experiências com bebida, maconha e cocaína. Tudo isso é complicado quando se é adolescente.

Nesses momentos de desemprego, fazia esculturas. Quando comecei a trabalhar com arte e reciclagem, em 1998, tinha 24 anos, isso resgatou minha humanidade. A arte me resgatou. Pude me expressar e me encontrei.

Parei de procurar emprego. Em 2001, fui contratado para fazer a decoração de natal do Conjunto Nacional [centro comercial na av. Paulista] com material reciclado, e foi uma porta de entrada.

Vi então que meu trabalho precisava de um cunho social. Fundei, em 2004, uma cooperativa com moradores de rua, alunos dos albergues em que eu dava aula de artesanato.

Eu tinha conhecimento de causa, entendia aquela realidade, também sentia aquela revolta.

Queria usar a arte e a reciclagem para chegar às pessoas excluídas, que não tinham mais esperança. Como eu consegui me colocar no mercado de trabalho, acho que outras pessoas também podem.

Não sou formado em artes plásticas, nunca fiz uma faculdade. Mas consegui ganhar dinheiro com arte e lixo, me sustentar e, hoje, sustentar minha esposa e minhas duas filhas, a Vitória, 10, que nasceu com síndrome de down, e a Valentina, 9.

Em 2016, deixei a cooperativa e decidi seguir carreira solo. Meu ateliê ganhou o nome de Vitvalen, que é a junção das duas. Continuo fazendo parcerias com ONGs para que eu possa trabalhar com projetos sociais.

É isso que me dá prazer. Não faço minhas obras meramente por dinheiro ou para mostrar aos outros um trabalho bonito. Observo mais o processo em si do que o resultado final.

Esse processo envolve conversar, ouvir histórias, contar a minha história e dar um pouco de esperança para outras pessoas.

SUSTENTABILIDADE

A sustentabilidade não é importante, é fundamental. Tudo que está ligado a ela me interessa. Temos que cuidar do ambiente, não apenas utilizar pensando em fins comerciais.

Trabalhar com material reciclado não é mais barato. As pessoas acham que um trabalho com garrafa PET, por exemplo, é menos custoso porque a matéria-prima é mais barata.

Só esquecem que preciso achar o material, selecionar, transportar, lavar e só então é possível começar a transformar em alguma coisa.

É uma grande mão-de-obra. Num trabalho com cem mil garrafas, por exemplo, esse valor acaba sendo bem elevado.

Escolho material reciclado não pelo custo, mas para dizer que aquilo deve ser reutilizado. Que não precisa ser descartado no lixo, nos rios, sujar as cidades. É um recado.

QUADRO DE TAMPINHAS

O painel que fiz para a Virada Sustentável de São Paulo foi o terceiro com tampinhas. Para mim, fazer uma borboleta, um animal, é novo. Até então eu tinha feito rostos, inclusive um autorretrato.

Foram cerca de 2.000 tampinhas usadas, a maior parte recolhida na Vila Butantan. É uma coleta mais seletiva que o usual. Separo o que dá para usar e escolho as cores –não pinto nenhuma tampinha.

Uso outros tipos de plásticos e sucata também, como um fio elétrico, um controle remoto de televisão, uma escova de dente velha, uma tomada.

Gosto de recolher material do lugar pra trazer uma verdade para a obra. Quero que as pessoas vejam que estamos recolhendo as tampinhas, olhem o resultado e pensem: 'Nossa, não sabia que era pra fazer isso'.

Esse é o impacto. Que só se vê se chegar perto, observando que é de material reciclado. De longe, não dá para identificar.

RECICLAGEM EM SP

É difícil fazer reciclagem em São Paulo. Tanto no Belenzinho, onde é meu ateliê, quanto em Pirituba, onde é a casa da minha família, não há caminhão para retirar material reciclado, assim como em vários outros pontos da cidade.

O ecoponto mais próximo não é tão distante, mas temos que separar, colocar no carro e levar lá. Isso dá trabalho e desestimula.

Acho que as cooperativas que trabalham com reciclagem também são pouco assessoradas, têm pouca estrutura, pouco treinamento, falta apoio da prefeitura.

Você separa o material, leva para o ecoponto, chega na cooperativa e acaba sendo rejeitado. São poucas pessoas, falta equipamento ou eles não sabem exatamente o que fazer. É uma problema de toda a cadeia da coleta seletiva.

Outro exemplo são as empresas privadas, que lucram muito e deveriam ter obrigação de cuidar do rejeito.

O design dos produtos também precisam ser pensados para a sustentabilidade, para gerar menos resíduos. Apenas a coleta seletiva não dá conta. Tem que haver um esforço conjunto.


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