Folha de S. Paulo


'Estou vivo porque não larguei de vez', diz cadeirante após coma de 14 dias

Arquivo pessoal
Germano Costa, 38, cadeirante que abriu empresa para adaptações de veículos após sofrer acidente de trabalho
Germano Costa, 38, cadeirante que abriu empresa para adaptações de veículos após sofrer acidente

Germano Costa, 38, tinha 24 anos quando sua vida virou de cabeça para baixo. Como gerente de manutenção em uma fábrica italiana no Ceará, sofreu um acidente de trabalho que o deixou 14 dias em coma.

"Quando voltei do coma, a minha vida virou", diz hoje, com bom humor e uma história de superação. "Não vou mentir, pensei em fazer o pior."

O cearense conseguiu dar a volta por cima ao ver na reabilitação no hospital Sara Kubitschek, referência em Fortaleza, pessoas com mais dificuldades do que ele. Além disso, com incentivo da equipe médica, iniciou seu próprio negócio de adaptações de veículos para cadeirantes.

"O que tinha no mercado era como se fosse gambiarra, os ferros expostos, mostrando parafuso." Com a visão de quem precisa do equipamento, iniciou há 11 anos um negócio chamado AdaptCar pensando no conforto e no cuidado com o acabamento.

A empresa cresceu ainda mais após Germano participar da Olimpíada do Conhecimento do Senai e seu sonho é ver o negócio ganhar escala internacional.

Leia seu depoimento à Folha.

*

Trabalhava numa empresa italiana aqui no Brasil havia quase cinco anos. Comecei lá do zero. Entrei como auxiliar, e eles foram me dando oportunidade. Já estava assumindo a manutenção geral de todos os equipamentos, como gerente.

Em setembro de 2003, eu tinha 24 anos quando sofri um acidente. Fui fazer manutenção em uma das máquinas pesadas e, por descuido do operador, ele desligou a máquina comigo dentro.

Eu era um jovem rapaz, muito bem financeiramente, e de uma hora para outra fiquei em coma durante 14 dias. Quebrei duas vértebras e cinco costelas, furei os dois pulmões, perdi a visão esquerda e quebrei uma canela em seis partes.

Estou vivo porque não larguei de vez. Quando voltei do coma, a minha vida virou. Descobri que ia ficar na cadeira de rodas e, não vou mentir, pensei em fazer o pior.

Mas tenho o pensamento que tudo pode ser ruim, mas nada é pior do que você perder a vida eterna. Biblicamente falando, a gente sabe que o suicídio te promove ao inferno. Era a isso que eu me apegava.

Divulgação
Germano Costa, 38, na Olimpíada do Conhecimento do Senai
Germano Costa, 38, na Olimpíada do Conhecimento do Senai

TRIPÉ

Foi um tripé que me pôs de pé depois do acidente. Em primeiro lugar, Deus. Em segundo lugar, família é o maior tesouro que um homem pode ter. E em terceiro lugar, não menos importante, o hospital chamado Sara Kubitschek.

Não é que o hospital vai fazer você andar, mas vai te devolver à sociedade. Quando entrei lá, vi pessoas que eram comprometidas dos membros superiores e eram alegres, se divertiam.

Pensei que Deus ainda me deixou com os braços, com a cabeça boa, sou uma pessoa inteligente, então eu vou decidir não ser coitadinho nessa história e até hoje eu venci. Tudo que imaginar eu faço. Não tomo um remédio, só não ando. Vivo como uma pessoa 100% independente. A única coisa de que sinto falta é jogar bola e andar de moto.

EMPREENDEDORISMO

Na reabilitação do hospital Sara Kubitschek, vi que no mercado tinham umas adaptações [para veículos], mas eram muito grosseiras.

Como levei mais de um ano para poder entrar no programa, eu já tinha feito a minha própria adaptação, só que não fiz no intuito de trabalho, foi só para minha locomoção.

Os médicos viram que a minha adaptação estava muito à frente do que tinha no mercado. Eles até me incentivaram, mas eu já estava aposentado, não queria mais fazer nada, queria priorizar minha recuperação.

Só que foi chegando gente até meu encontro e comecei a fazer, mas sem visão nenhuma de empreendedorismo. Até que um dia eu cobrei para não fazer e vi que o pessoal pagava.

O que tinha no mercado era como se fosse gambiarra, os ferros expostos, mostrando parafuso. Eram esses cuidados que não tinham, alteravam demais o veículo. Eu procurei fazer pequenos orifícios, aproveitar o que já existia e manter o mais original possível.

Consegui entrar em uma autoescola. Depois que as minhas adaptações chegaram lá, fiquei muito conhecido na cidade. Já temos uns 11 anos no mercado, duas autoescolas trabalhando com as nossas adaptações, temos uma cartela de clientes enorme.

CAPACITAÇÃO

Em 2012, fui fazer parte do projeto no Senai como mecânico de automóveis. Um dos meus clientes ensinava TI lá.

O Senai estava procurando um cadeirante para passar um ano treinando com eles. Fiquei praticamente um ano só estudando, das 12h e às 22h, de segunda a sexta.

A gente ia disputar com cadeirantes de outros Estados [na Olimpíada do Conhecimento]. Fomos pela delegação com a comitiva dos PCDs [Pessoas com Deficiências]. Fiquei em segundo lugar no Brasil.

Depois disso, as concessionárias abriram as portas e até hoje a gente está nesse mercado, mesmo com a crise. Não vou dizer que não afetou, mas temos conseguido passar pela crise, estamos trabalhando.

EXPANSÃO

Vou tentar levar nossos conhecimentos para fora do Brasil. Ver que com meu trabalho eu consigo ajudar outras pessoas é o maior pagamento. Fico mais feliz quando consigo fazer com que a independência daquela pessoa se torne maior ainda porque vai voltar a dirigir.

Quando eu comecei, em 2005, fazia 3 a 4 carros por ano. Hoje, faço uma média de 3 a 5 por mês. Acho que tenho para mais de 300 clientes e vou expandir, ganhar outro mercado.

Meu sonho é que esse negócio emplaque fora. Esse é um desafio que já estamos nos preparando.


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