Folha de S. Paulo


'Meus bichos de estimação hoje são minhocas', conta fã de compostagem

Joaquim Félix começou a fazer compostagem por conta de seu trabalho como gestor ambiental do Colégio Dante Alighieri. Hoje, em casa, as minhocas da sua compostagem são seus animais de estimação.

"Meus bichinhos de estimação em casa hoje são minhocas. Minha cachorrinha morreu, agora eu tenho minhocas", explica ele, acrescentando que seus filhos de sete e 12 anos também brincam com elas.

Por conta dos aprendizados em compostagem, a rotina de sua casa mudou.

"Quando a gente vai à feira ou ao mercado, pensamos numa comida que possa servir também para a minhoca. Em vez de comprar muito abacaxi, que tem casca cítrica, a gente compra maracujá, que é uma casquinha mais neutra, e o bicho gosta mais."

Félix aprendeu sobre compostagem com a Morada da Floresta, finalista do Prêmio Empreendedor Social 2016.

O Prêmio Empreendedor Social está com inscrições abertas; participe

"Participei do processo todo de treinamento, a reciclagem que eles fazem, o curso, e comecei a fazer em casa. Apaixonante. É uma coisa que muda suas ideias, você acaba se envolvendo demais"

A organização atua em duas frentes: desenvolvimento de projetos para a diminuição de resíduos e atividades voltadas à educação e conscientização ambiental.

Para reduzir resíduos, uma das estratégias é incentivar a compostagem. A instituição desenvolve projetos para grandes geradores, além de ações para a disseminação da prática da compostagem doméstica em larga escala. Também promove melhorias de políticas públicas relacionadas à gestão dos resíduos orgânicos.

Leia abaixo o depoimento à Folha.

*

Comecei na compostagem com o projeto Composta São Paulo em 2014. Eu já tinha envolvimento com outras áreas de sustentabilidade, coleta seletiva, mas compostagem nunca tinha feito. Pelo menos dentro de casa.

Nunca imaginei fazer compostagem dentro de um apartamento. Quando morava em São Mateus, na zona leste, era em uma casa.

Lá, eu sempre aproveitava um pouquinho do que sobrava de alimento e enterrava perto de alguma planta. Depois me inscrevi no projeto Composta São Paulo, torcendo para ser contemplado. Após uma repescagem, consegui.

Participei do processo todo de treinamento, a reciclagem que eles fazem, o curso, e comecei a fazer em casa. Apaixonante. É uma coisa que muda suas ideias, você acaba se envolvendo demais com isso.

Meus bichinhos de estimação em casa hoje são minhocas. Minha cachorrinha morreu, agora eu tenho minhocas.

Em casa tenho dois filhos, um de sete anos e um de 12 e os dois se apropriaram disso também. Vira brincadeira.

O Pedrinho pega a minhoquinha na mão, leva para o quarto, brinca com ela. Toda a vez que a gente está mexendo, ele tem que pegar o bicho e colocar na mão. Às vezes até três, quatro minhocas correndo no braço dele. Ele já sabe: sobrou a casca da banana, é a comida da minhoca.

A gente já tem os cestos em casa assim: o resíduo orgânico em cima da pia, coleta seletiva que fica na área de serviço, a composteira e um cestinho pequeno que é o que a gente não consegue separar.

DE CASA PARA A ESCOLA

Eu trabalho no Colégio Dante Alighieri e também faço alguns trabalhos na área de gestão ambiental.

Achei que aquilo caberia direitinho dentro da proposta educacional da escola porque é envolvente demais, tem toda uma questão pedagógica inserida nessa coisa da compostagem caseira.

Sugeri que fosse criado um espaço para compostagem com minhocas, já que a diretoria já tinha dado o aval para fazer a compostagem mais acelerada, com máquina, que dá conta de todo o resíduo orgânico.

No caso da minhoquinha, a gente vai trabalhar só com a matéria orgânica vegetal. Quando eu trouxe a ideia, foi uma espécie de epifania. Todo mundo se perguntando o que é isso, como é. Hoje, temos dez kits de minhocário que o Cláudio Spínola trouxe, montou, fez um treinamento e está funcionando super bem.

A gente composta aqui no colégio cerca de 70 kg a 80 kg só de matéria vegetal, sobra de alface, saladas, legumes, frutas. A outra parte, que é cozida, de gordura, vai para a compostagem acelerada.

MUDANÇAS

Os ganhos são muitos. Primeiro, a satisfação pessoal. Depois porque você consegue, inspirado numa coisa pequena, transformar em um negócio muito maior. Aí percebe que consegue mudar espaços, concepções de vida.

Por fim, em casa, quando a gente começou a compostar, não foi só colocar comida para minhoca. Quando a gente vai à feira ou ao mercado, pensamos numa comida que possa servir também para a minhoca. Em vez de comprar muito abacaxi, que tem casca cítrica, a gente compra maracujá, que é uma casquinha mais neutra, e o bicho gosta mais. Mudou também o nosso consumo.

Na escola talvez não tenha mudado a forma de se consumir, porque aqui tem um restaurante que serve 545 refeições, mas aqui o impacto maior foi na geração de resíduos.

A gente mandava cerca de 180 kg de resíduo orgânico para aterro. Só do resíduo que vai para a composteira das minhocas, são cerca de 80 kg. Os outros 90 kg a 100 kg são outro tipo de resíduo orgânico que a gente leva para composteira acelerada. A gente deixa de mandar cento e poucos quilos de orgânico para o aterro.

É um ganho para a cidade, para o colégio. E isso envolve a área pedagógica: traz informações, números e você transforma isso em aula, em laboratório.

RESULTADO

Todo esse composto gerado com a compostagem das minhocas vira um adubo orgânico.

Mas o que fazer com isso? Nosso diretor gostou tanto da ideia que sugeriu que fizéssemos uma horta no telhado. Pensei que a gente pode doar, usar na jardinagem. Nem conhecia essa área.

Quando eu vi, pensei: "puxa esse espaço é fantástico". Há dois anos mais ou menos a gente começou esse plantio. A horta está bastante viva agora porque é um composto muito rico.

Usamos húmus de minhoca, biofertilizante totalmente orgânico, semente sem nenhum tipo de fertilizante, sementes orgânicas, manejo orgânico e paixão. Os funcionários estão bastante envolvidos com isso.

A gente planta o que a gente quer, não tem um segmento, então nos divertimos muito. Já plantamos mostarda, manjericão, coentro e descobrimos algumas coisas que vão muito bem aqui. Beterraba vai muito bem, cenoura, alface, couve. Dá para plantar em bastante quantidade, 200 pés de alface.

A gente fez uma parceria com um projeto chamado Quintal da Criança, que é aqui na Baixada do Glicério. É um projeto social, uma creche, com crianças de quatro até 13, 14 anos. Doamos todo o cultivo dessa parte em linha de produção para eles.

É bem interessante, porque as pessoas normalmente querem ver a horta pronta, ver a plantinha bonita, colher a alface e não têm ideia de que isso começa lá atrás, onde está a alma mesmo do projeto.

É separar o lixo, destinar o que é para a coleta seletiva. Aí vai ver que lixo não existe, tudo se fecha em um ciclo. Isso aqui vai virar matéria orgânica de novo.

Para mim, isso dá uma satisfação tremenda. O mais legal é que quando o aluno e o professor conseguem perceber que dá para fazer isso em qualquer lugar, até na casa deles. Não é necessário esse espaço todo. Qualquer um pode fazer e cuidar melhor do seu lixo. (GL)


Endereço da página:

Links no texto: