Folha de S. Paulo


Após TV, Rosenbaum mergulha na cultura quilombola: 'É volta às raízes'

Conhecido por apresentar um programa de decoração em um canal pago, Marcelo Rosenbaum já conheceu e trabalhou com diferentes comunidades do Brasil profundo.

Em quilombolas, indígenas e comunidades tradicionais peruanas ele encontrou mestres que transmitiram os saberes desses lugares.

No fim do ano, quando visitou o quilombo de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira (293 km de São Paulo), teve mais uma vivência. "Olho para aquelas mulheres e vejo a raça que têm para viver, a força da vida, a resistência, com todos aqueles saberes que hoje são tudo o que estou buscando: a minha essência."

Os quatro dias de imersão resultaram do primeiro semestre do curso de Design Essencial, na Faculdade Belas Artes, no qual o objetivo é conhecer as comunidades, descobrir seus saberes e desenvolver a empatia.

"Você se coloca no papel do outro e não se separa disso. Inicia-se uma transformação também muito pessoal."

Leia deu seu depoimento à Folha.

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Quando a gente chega em Ivaporunduva, a sensação é a da abertura de um portal de outro tempo-espaço, com pessoas que se mantiveram naquelas terras, preservando-as, conservando uma relação íntima com a própria natureza.

Cada mato que a gente pisaria, na verdade é uma erva que tem um poder de cura. Se por um lado vemos questões como o esquecimento e o abandono, por outro percebemos a resistência e o aprendizado que a comunidade nos transmite. Uma sensação de troca.

O que me marcou muito foi ouvir de uma das senhoras quilombolas, logo no encontro inicial, que ela tem o sonho de manter a ancestralidade em Ivaporunduva. Elas nos contaram que os jovens perdem um pouco o interesse por conta de tecnologia.

Olhar para Ivaporunduva, para o Vale do Ribeira, é ajudar a nos encontrarmos. Qual é a identidade do Brasil? Quem construiu esse país com sangue, suor? Também os afrodescendentes, hoje quilombolas. Mas quem são eles? São os brasileiros.

Olhar para uma comunidade quilombola diante de todos os conflitos que temos na cidade grande me faz vê-los como mestres em potencial, de aprendizado para o futuro da humanidade.

A comunidade de Ivaporunduva é feita de professores, a própria natureza do Vale do Ribeira é uma professora. Ir para lá da maneira que fomos, abertos para receber os ensinamentos daquelas senhoras, que nos falaram das ervas, da natureza e de suas vidas, fez com que eu virasse uma criança deslumbrada diante delas.

Olho para aquelas mulheres e vejo a raça que têm para viver, a força da vida, a resistência, com todos aqueles saberes que hoje são tudo o que estou buscando: a minha essência.

Me prostro à frente daquelas anciãs, daquelas sábias, daquelas árvores antigas. Elas são a própria natureza, as guardiãs daquilo tudo. São grandes mestras.

RAÍZES

Mergulhar na cultura quilombola é encontrar nossas próprias raízes, encontrar essas sábias nos entregando seus segredos, que são o ouro delas, com tanto amor, simplicidade, o que é mais um aprendizado.

Para vermos isso, temos que desconstruir as crenças que temos, que nos são impostas. Estou aqui para quebrar a crença. Com muito respeito, responsabilidade e estudo, sou um aluno esforçado, aprendo e multiplico.

Aprender e guardar para você mesmo não tem graça. A gente não tem outro caminho senão integrar, diminuir as diferenças. Se a gente não diminuir as diferenças, se não incluirmos a diversidade como saberes, vai todo mundo para o mesmo buraco.

A gente começou a olhar para esses saberes ancestrais, dessa forma de não fazer interferências. O benefício de ressignificar esses saberes não para eles simplesmente virarem livros nas estantes, mas como autonomia para a própria comunidade.

DESIGN ESSENCIAL

Olhar para as pessoas que vivem em Ivaporunduva elevando a sabedoria deles, o conhecimento deles, trouxe muita inspiração.

Fomos 30 alunos curiosos, durante quatro dias, depois de um semestre de aulas teóricas. Foi um curso de extensão da Faculdade Belas Artes chamado Design Essencial. Tivemos mestres quilombolas, indígenas, que foram professores. Fomos visitar uma aldeia tupi guarani em Parelheiros.

A metodologia se inicia na empatia, imaginar que o problema do outro é teu problema. Você se coloca no papel do outro e não se separa disso. Inicia-se uma transformação também muito pessoal.

A proposta é de nos abrirmos para o outro, de desconstruirmos alguns estereótipos e crenças limitantes que carregamos, como a de acreditar que o Brasil é um país pobre ou que comunidades quilombolas têm baixo Índice de Desenvolvimento Humano.

Isso é uma métrica absolutamente equivocada, nesses lugares o que tem é desenvolvimento humano. A necessidade da comunidade não é só gerar renda, nem preservar cultura, mas é juntar todas essas partes.

A partir desse processo foi nascendo uma forma de fazer, de se relacionar com as comunidades, com esses saberes e a gente foi colocando em prática e nasceu a metodologia.

CONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO

No segundo dia, fomos em busca dos valores, das belezas e patrimônios materiais e imateriais de lá.

Fomos resgatando objetos ancestrais, como cestos e esteiras, recolhemos tudo e ouvimos histórias de cura relacionadas à integração com a natureza, ao entendimento de que somos um ser espiritual fazendo parte da própria natureza. Fizemos uma arqueologia afetiva.

Uma série de coisas como essa foram acontecendo até construirmos juntos uma lembrança, como um legado, para deixar em Ivaporunduva.

Não fizemos um objeto fruto de toda essa investigação, mas sim um espaço ornado, para onde foram levados os saberes quilombolas, e que poderá servir como lugar de encontro de alimentação, de reuniões, de recepção de turistas.

É uma casa tradicional de taipa, com bambu, muito fresca, com muito conforto térmico, com beleza. É importante honrar esse saber de trabalhar com barro, que é o saber de trabalhar com a própria natureza. Construímos um salão de eventos.

Antes guardados, cestos, peneiras, ferramentas de trabalho e balaios foram ressignificados e ganharam espaço nas paredes do ambiente. Quando os quilombolas entraram na casa, sentiram essa vibração de afetividade porque eu acredito que o objeto carrega vida, herança, memórias.

Essa casa ancestral virou um espaço de cura dos saberes, das relações, dos encontros.

Nossos três dias por lá foram como uma universidade que nos transformou profundamente. A importância de olharmos para comunidades como Ivaporunduva hoje é exatamente essa: entrar em contato com um Brasil muito rico de diversidade, natureza e cultura.


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