Folha de S. Paulo


'Minha noia é a venda', diz ex-usuária sobre virar revendedora de cosméticos

Dilma Silva Rodrigues, 31, nasceu e cresceu no Jardim da Conquista, na zona leste de São Paulo.

Aos 16 anos, começou a usar drogas. Chegou a ser presa e foi dona de três 'biqueiras', como são chamados os locais onde se realiza o tráfico.

Foi nessa realidade que conheceu seu atual marido, que ainda é usuário.

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Dilma conseguiu ficar limpa há pouco mais de quatro anos. "Foi uma força que ganhei depois que tive meu filho", conta. "A força foi maior também pelas minhas vendas, que me ajudaram."

Para criar os dois filhos, trabalhou como auxiliar de limpeza, mas o dinheiro era pouco. Foi quando virou revendedora da Natura e viu a vida melhorar.

Hoje tem carro, casa própria e terreno na praia, trabalhando dois sábados por mês na venda de cosméticos.

Ela é um exemplo do mais de 1 milhão de consultoras da empresa de produtos de beleza que conseguiram uma melhora na qualidade de vida após virarem revendedoras, segundo aponta a pesquisa de IDH realizada entre a força de trabalho que gira em torno da própria Natura.

O levantamento mostra que, assim como Dilma, o maior progresso apontado pelas consultoras é com relação às experiências positivas após iniciarem o trabalho de venda porta a porta.

Leia seu depoimento à Folha

*

Nasci em São Mateus, zona leste de São Paulo. Não foi nem no hospital, era em casa ainda. Fui para escola, mas ia para bagunçar.

Todas as mães falavam: 'Não quero a minha filha andando com você'. Eu era a pior menina que tinha no Jardim da Conquista.

Comecei a usar drogas com 16 anos. No início foi o cigarro, daí fui para maconha, para 'farinha' [cocaína] e depois para as pedras [de crack]. Fiquei muitos anos só na pedra.

Chegou um tempo que usava só cachimbo. Aí, já não parava mais. Fui morar na rua, não queria saber de mais nada. Bebia cachaça '51' pura. Ficava três dias sem dormir, só usando droga.

Era uma drogada, uma usuária de crack. Vivia sempre com uma cachaça debaixo do braço. Tomava conta de três 'biqueiras' [lugar onde se vende drogas]. Já puxei cadeia [cumprir pena], Febem [atual Fundação Casa].

Um dia eu falei para Deus: 'Se me der um filho e uma condição boa, nunca mais vou colocar droga na minha boca'.

Conheci um rapaz que também era usuário de crack e hoje é meu marido. Ele foi preso, ficou um bom tempo na cadeia. Depois que ele foi preso, descobri que estava grávida. Pensei: 'E agora, o que eu vou fazer com a minha vida?'

Arrumei um serviço como auxiliar de limpeza, mas não dava. Era R$ 500 por mês. Eu não tinha nada. Não tinha casa, morei de favor na casa dos outros.

Então comecei a trabalhar com a Natura. Passava de porta em porta, nas lojas, vendia R$ 1.500 por mês. Chegou um tempo em que comecei a trabalhar só com as prontas-entregas.

Foi uma força que ganhei depois que tive meu filho. A força foi maior também pelas minhas vendas, que me ajudaram. Preciso distrair a minha cabeça.

Meu marido ainda é usuário de drogas. Tem dia que perco a paciência, mando ele embora.

É muito difícil para mim porque ele usa muito. Eu queria colocar ele numa clínica. É muito peso. Ele ainda está desempregado. Então tudo dentro de casa sou eu. Mas não posso correr atrás de tudo, estou com dois filhos pequenos.

Estou também há mais de quatro anos limpa, nem cigarro eu fumo. Minha noia é a venda. Às vezes, quando dá vontade de usar, corro para a internet, começo a fazer um monte de pedido. Depois fico preocupada: 'Que que eu fiz?'

Mas eu faço pedido sem dó. E só trabalho de 15 em 15 dias, no sábado. Durante a semana, limpo a casa, levo meus filhos para a creche, cuido da minha saúde.

Tem dia que eu vendo R$ 4.000, R$ 5.000 de uma vez só. Os kits de Dia das Mães chegaram e foram todos embora. Não tenho mais nada.

É uma loucura. Saio sábado de manhã e volto só à noite. Sou a melhor vendedora que tem aqui. Ninguém tem coragem de fazer o que eu faço, sair com bolsa, com carrinho na rua.

Entro no mercado, no açougue, nas farmácias, na loja de roupa, de sapato. Já tenho minha clientela fiel.

Na minha lista, tenho 300 clientes e parei com a revenda de outras empresas. Nem preciso ir atrás, eles vêm até a mim. Todo mundo só compra comigo, parece que eu tenho doce. Não faço barraco, não xingo.

Hoje, tenho uma boa condição porque todo dia tenho dinheiro. Empresto para o povo. Muita gente aqui fala: 'Nossa, como você mudou. Uma mulher guerreira, trabalhadora'.

Não dependo de ninguém para nada. Agradeço muito porque eu fui muito julgada. Me humilharam. Agora, todo mundo entra na minha casa e fala como é bonitinha. Meus móveis são novos. Tenho casa, carro, terreno na praia, moto e muito mais.

Já suei muito e vou suar muito ainda. Lembro que sofri muito na rua. Por causa disso não volto para trás. Por que eu vou entrar numa pedra? Para me derrubar? Se eu usar, todo esse sonho vai por água abaixo.

Por isso eu sempre luto. Falo para todo mundo: 'Este ano eu quero ficar rica'.


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