Folha de S. Paulo


'Ser o 1º da família na universidade é um acontecimento', diz filho de pintor

Diferentemente de seus colegas de classe, Matheus Araújo da Silva, 18, encontrou na matemática "a melhor parte da escola" durante o ensino médio.

Os números viraram uma paixão, alimentando o desejo de chegar aos bancos de uma universidade.

Ele sabia que não seria fácil desbravar os caminhos entre uma escola pública paulista e o canudo de curso superior em um boa instituição.

Oriundo de uma família de classe média baixa de Santo André, na Grande São Paulo, ouviu do pai que estava querendo chegar longe demais e que melhor seria procurar um emprego.

Na escola, o ensino tradicional travava seu aprendizado. Encontrou apoio na mãe e nos professores e em um inesperado auxílio da tecnologia.

No começo do ano passado, ele conheceu a Geekie, plataforma de educação adaptativa voltada para conteúdos do Enem, capaz de personalizar e conferir autonomia à experiência de aprendizagem do aluno a partir da análise de seu desempenho.

A ferramenta foi instalada como projeto piloto na escola de tempo integral onde estudava.

Estudando todo os dias com as videoaulas da Geekie, negócio social fundado pelos vencedores do Prêmio Empreendedor Social 2014, Claudio Sassaki e Eduardo Bontempo, Matheus protagonizou "um acontecimento". Tornou-se o primeiro da família Araújo a ingressar em uma universidade.

As inscrições para os prêmios Empreendedor Social e Empreendedor Social de futuro estão abertas; participe.

Aos 18 anos, foi aprovado nos cursos de matemática da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) como cotista de escola pública.

Leia a seguir o depoimento de Araújo à Folha.

*

Estudei todo o ensino médio em escola pública.

Eu planejava prestar vestibular para matemática. Os grandes motivadores desse sonho foram os professores no segundo ano.

Comecei a me preparar para o vestibular. Em casa, minha mãe, que é dona de casa e só tem ensino médio, sempre me apoiou. Ela dizia que se eu estudasse teria um futuro bom.

Com meu pai já era um pouco complicado. Ele é pintor, só tem o ensino médio e não tem uma noção do que é o ensino superior e a diferença que isso faz na vida das pessoas.

Meu pai me questionava o que eu faria se não conseguisse ser aprovado no vestibular. Ele dizia que eu deveria esquecer isso e ir trabalhar.

Ele sempre quis que eu fosse trabalhar cedo, mas minha mãe rebatia dizendo que deveria me deixar estudar.

Com o passar do meu tempo, passei a ter apoio do meu pai também.

Ele achava que universidade era algo muito distante e o mais longe que eu poderia chegar era fazer um curso técnico. Eu dizia que queria algo mais e ele me olhava desconfiado. Depois de um tempo, começou a aceitar e a gostar dos meus planos.

ESTUDAR TODO DIA

Na escola, eu usava a plataforma Geekie na hora do almoço e no horário de algumas aulas.

A escola era de tempo integral e eu estudava todo dia e toda hora possível.

Geralmente, estudava cinco vezes por semana, uma hora e meia quando chegava da escola. Aos sábados e domingos, de duas a três horas. Eu podia acessar a plataforma da minha casa também.

A Geekie teve muita influência no meu aprendizado. Quanto mais você se esforça, mais aprende. Todo mundo deveria ter acesso à plataforma.

Os professores me diziam que matemática é algo que se tem que treinar e se esforçar, além de correr muito atrás dos próprios objetivos.

Sempre tive facilidade com matemática. Os alunos têm dificuldade em trabalhar com números e isso faz com que acabem recusando a disciplina.

É preciso trabalhar nisso desde criança. Quem aprende a gostar de matemática, não vai odiar nunca. O segredo está no ensino fundamental, na educação.

As pessoas têm medo da matemática. De 50 alunos que entram nessa faculdade, quatro ou cinco se formam.

No final do ano passado, prestei vestibular da USP, Unicamp e Unesp e fiz o Enem.

Passei na Unicamp em matemática e pensei: 'Não vou'.

Minha mãe ficou toda feliz com a minha aprovação. Mas eu fiquei com medo, porque não sabia como era a cidade e não fui.

Estava confiante que passaria na Unesp também, onde já tinha amigos e seria mais fácil.

O segundo e aguardado resultado veio e foi positivo: também passei na Unesp.

Não sei se é porque meu pai não acreditava no meu potencial, mas ele saiu e contou para todo mundo sobre minha aprovação.

Optei pela Unesp e estou no campus de Presidente Prudente, interior de São Paulo.

Meu pai faz um esforço muito grande para conseguir dinheiro para me mandar e manter aqui. A renda da minha família é de R$ 2.500. Meu avô e meu tio também contribuíram.

Estou como hóspede na moradia da universidade.

Sou o primeiro da família a chegar à universidade. Em casa, foi um acontecimento enorme. Fiquei impressionado.

Começam a surgir os desafios dessa fase e o maior deles, sem dúvida, é a distância da minha família. Não estamos preparados para nos afastar.

A parte financeira será outro obstáculo a vencer. Preciso conseguir uma vaga fixa na residência estudantil e a bolsa auxílio, que vai me ajudar nas despesas.

As cobranças e a expectativa da família já começaram, só que para cima do meu irmão. Meus pais querem que ele também entre na universidade. É uma nova geração.

Agora, o que mais quero é terminar a licenciatura e fazer mestrado em matemática computacional para ser pesquisador e dar aula em uma faculdade. É o meu sonho.


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