Folha de S. Paulo


De Itaquera a Tóquio, jovem narra saga para estudar no exterior

Nascido e criado em Itaquera, zona leste de São Paulo, Adilson Menezes Junior, 29, estudante de escola pública, deu a volta ao mundo para realizar o sonho de infância: ter acesso à educação gratuita e de qualidade.

Criado pela avó, aposentada, e pelo tio, servidor público, Junior colecionou em sete anos subempregos em quatro países, além de quatro reprovações em vestibulares no exterior.

Junior queria ir para os Estados Unidos estudar num curso voltado a formar pensadores críticos em áreas de humanas e de economia chamado "liberal arts" (artes liberais, em tradução livre). O jovem, no entanto, viu suas chances zerarem ao ser reprovado.

Conseguiu conquistar seu objetivo ao ser admitido para o mesmo curso no Japão. Agora, seu sonho é voltar para o Brasil e reformar a educação pública.

A seguir, o depoimento dele à Folha.

*

Lembro que sentei com meu tio e minha avó, que me criaram, e disse: 'Quero estudar nos Estados Unidos.' Eles caíram na gargalhada. Fiquei decepcionado.

Eu nasci e cresci em Itaquera e estudei em escola pública a vida inteira. Sempre fui apaixonado por estudar.

No ensino médio, me recordo de ter acabado o primeiro ano sem ter aprendido nada. Então, aos 15 anos mudei para uma escola melhor, também pública, no Tatuapé.

Meus pais são separados desde os meus 8 anos. Eles não se importavam muito com a minha educação e a do meu irmão.

Terminei a escola e comecei a trabalhar no setor de vendas de uma companhia aérea. Tentei fazer um curso técnico de marketing e depois de relações internacionais, mas não deram certo.

Não conseguia trabalhar o dia inteiro e ir para a faculdade à noite. Chegava cansado do trabalho e com sono. Meu desejo era estudar e me dedicar de verdade.

Em 2005, conheci uma amiga que ia para a Universidade Soka da América, nos Estados Unidos. A história dela me inspirou.

Essa universidade segue princípios budistas. Não é ligada à religião, mas a pedagogia e os objetivos dos estudos são diferentes. O aluno é incentivado pelos professores a fazer algo positivo para mudar a sociedade.

Me apaixonei quando soube disso, mas não tinha perspectiva, não falava inglês.

Queria estudar "liberal arts", um curso que não é conhecido no Brasil. É baseado no ensino antigo de filosofia. Não é profissionalizante, forma o aluno como um pensador crítico em história e cultura, política e relações internacionais ou economia e negócios.

Comecei a percorrer esse sonho e, com o trabalho, consegui pagar um curso de inglês por dois anos. Depois, contratei uma professora particular.

Em 2009, me senti preparado para fazer o vestibular dessa faculdade, mas tinha a sensação de que não passaria, meu inglês não era de nível universitário.

O processo de seleção americano é diferente do brasileiro. Primeiro se faz uma prova, parecida com o Enem. As notas do ensino médio também contam, assim como cartas de recomendação de professores, além de duas redações. É preciso excelência nos estudos.

O resultado saiu e não passei. Eu tinha esperança, mas no fundo já sabia.

Com isso, aos 23 anos, vi que precisava fazer um intercâmbio. Tinha um pouquinho de dinheiro guardado e usei de entrada para ir para Dublin, na Irlanda.

A recessão estava explodindo na Europa em 2009. Era loucura ir para lá e minha família falou que eu passaria fome, mas me lancei para o mundo mesmo assim.

Trabalhei como porteiro de cozinha, limpando e fazendo de tudo um pouco. Ganhava 600 euros por mês (R$ 1620, segundo cotação de 2009). Senti muito preconceito, como outros imigrantes.

Eu ficava sujo e falava 'saí do Brasil para passar esse tipo de vergonha aqui?'. Perdi 10 kg em três meses. Depois, consegui trabalhar em uma loja de roupas, com salário de 800 euros. Em dois anos e meio, fui atendente, supervisor e gerente e continuava estudando inglês.

Em 2011, o sonho de estudar nos EUA permanecia. Fiz o vestibular novamente e fui reprovado.

Foi quando, com as minhas economias, decidi ir aos Estados Unidos saber porque não passava. O diretor do departamento disse que eu tinha morar nos EUA para aumentar minhas chances.

Voltei para Irlanda, virei gerente da loja e juntei US$ 5.000. Voltei para os EUA para estudar inglês acadêmico na Universidade Waster Washington, em Seattle. Tinha exatamente U$ 5.000 na conta, o preço do curso. Para entrar no país, precisava ter mais U$ 5.000 no banco.

Com o dinheiro ainda na conta, tirei um extrato [como comprovante para o consulado para conseguir entrar nos EUA] e paguei o curso no mesmo dia. Tinha que dar um jeitinho.

Era uma universidade de rico, onde todos tinham 18, 19 anos, dirigiam carros e jantavam fora todo dia. Eu não tinha dinheiro nem para comer. Minha avó mandava US$ 100 por mês. Passei a pão de forma. Quando estava com fome, ia dormir.

Era a minha primeira experiência de dedicação exclusiva aos estudos. Ficava na universidade o dia todo. Depois de cinco meses, me formei com nota máxima. Academicamente estava pronto.

Voltei para o Brasil, pronto para fazer o vestibular da Soka pela terceira e última vez –lá só pode prestar três vezes. Eu não tinha dúvidas que seria aprovado. O resultado saiu e foi um grande choque, não entrei.

ÚLTIMA CARTADA

Em 2013, me candidatei para o curso de "liberal arts" da Universidade Soka do Japão, minha última cartada. Saiu o resultado e não passei. Fiquei mal.

Em 6 de janeiro de 2014, recebi uma ligação da Maria Guajardo, reitora da universidade do Japão. Ela disse que dos dez alunos internacionais aprovados, um desistiu e que eu tinha sido aprovado. Já tinha desistido. Comecei a chorar.

Ganhei a maior bolsa da instituição, são US$ 20 mil por ano, cobre 100% da mensalidade.

Sai de Itaquera deixando tudo para trás, trabalho e alunos. Para ir, juntei em dois meses R$ 6.000 para passagem. Minha família fez uma 'vacona' para ajudar.

Gastei sete anos da minha vida insistindo. Ouvi muita gente falando para eu desistir. O importante é jamais desistir dos sonhos.

No Japão, ganho em média US$ 800 por mês dando aulas de inglês para empresários. O curso de "liberal arts" é todo em inglês, então também ensino os estudantes. Acredito na lei de causa e efeito, quero ajudar as pessoas.

Como obrigatoriedade do curso, estudei sociologia por dez meses na Inglaterra. Trabalhei no Starbucks e em uma galeria de arte para sobreviver. Novamente, sofri preconceito por ser imigrante e tenho dívidas até hoje.

Quero retornar ao Brasil para trabalhar em uma reforma educacional pública e contribuir para a mudança do país.

A educação dá poder às coisas boas, é um mundo novo. Não ter acesso a isso, é se privar de experiências, emoções e oportunidades na vida.


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