Folha de S. Paulo


De volta dos EUA, ex-barbeiro diz em escolas: 'Estudar fora não é só pra rico'

Nascido e criado na Baixada Fluminense, Gerson Saldanha, 24, não tinha ideia de como realizar o sonho de estudar fora do país. Até que um dia viu um anúncio de jornal sobre um concurso de redação, cujo prêmio era bolsas de estudos para os Estados Unidos e Canadá. Foi selecionado e passou três semanas em Washington estudando inglês. A próxima parada foi na Inglaterra.

De volta ao Brasil, o filho de pedreiro e aluno de escola pública se tornou palestrante e escreveu um livro. Era o início do projeto "O que eu trouxe na bagagem" que mostra aos jovens da periferia que a educação é o veículo para "ganhar o mundo".

Inscreva-se para o Prêmio Empreendedor Social e para o Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2015.

A seguir o depoimento dele sobre a experiência.

*

Nunca ouvi bons exemplos de alguém que saiu de São João do Meriti (RJ) para estudar. Aqui, as pessoas perdem o interesse pelos estudos por achar que é coisa de rico.

Desde o ensino médio, queria estudar fora do Brasil, mas não tinha muita informação. Sem computador em casa, ia para lan houses descobri intercâmbios, mas eram muito caros.

Meu pai é pedreiro e minha mãe cuida de uma idosa. Coloquei na cabeça que teria que estudar para ser alguém na vida. No começo, queria ser orgulho para eles, mas depois peguei gosto.

Em 2009, virei cabo barbeiro da Marinha. Somente em 2013, realizei o sonho de passar no vestibular de relações internacionais na Universidade Estácio de Sá pelo Enem. É um curso caro, mas ganhei bolsa de 100% com o Prouni (Programa Universidade para Todos, voltado para alunos de baixa renda).

Todo dia eu levava o jornal para o pessoal ler na barbearia. Um dia, vi um anúncio de um concurso de redação que levaria quatro estudantes para intercâmbio nos Estados Unidos ou no Canadá.

Resolvi me inscrever, fiz a redação que levaria um brasileiro para Olympia [EUA].

Dias depois, folheava novamente o jornal e lá estava o meu nome. A viagem era em novembro e estávamos em agosto. Tive problemas para tirar o visto americano. Só tinha data disponível para janeiro. Eu passava dia e noite atualizando a página, tentando a sorte, até que apareceu um dia livre.

Nessa época, meu inglês era bem complicado. Já tinha feito um curso de graça do governo carioca, aprendi um pouco. Mas estudava mesmo era com músicas e filmes em inglês. E assim fui parar na Evergreen State College, no Estado de Washington.

A bolsa incluía tudo: passagens, hospedagem, alimentação, curso e material didático. Fui só com US$ 300 no bolso para alguma emergência. Usei para sair como meus colegas e comprar um casaco de frio.

Em três semanas nos Estados Unidos, aprendi mais do que em um ano e meio de curso no Brasil. Peguei confiança. Estudava o dia inteiro. Era puxado.

Vivi em uma casa de família, tive contato com estudantes de várias nacionalidades e falávamos em revolucionar o mundo por meio da educação. Abri minha mente.

Quando voltei, queria mostrar para todos o que aprendi nos Estados Unidos e que a educação é o maior agente de transformação social de um país.

Comecei a falar isso para os jovens do meu bairro, eles não acreditavam. Em março de 2014, comecei a bater de porta em porta nas escolas públicas da Baixada Fluminense para tentar motivar os alunos. Queria que esses adolescentes se vissem em mim, porque referência ruim na favela tem um monte.

Muitas escolas fecharam a porta na minha cara, ou nunca me responderam. Depois das palestras, os alunos começaram a me procurar no Facebook pedindo dicas.

Tem muita bolsa de graça, que cobre passagem e estadia para todos os níveis de inglês. Fiz um livro contando a minha experiência e disponibilizei para download gratuito. Ganhei outra bolsa para estudar inglês. Da segunda vez, fui para Londres, onde passei 15 dias.

RETORNO AO BRASIL

A partir daí, passei a ter o ardente desejo de que outras pessoas da periferia e de escolas públicas também tenham uma experiência internacional. A minha história prova que não importa de onde você vem ou o que faz, mas onde quer chegar.

Eu comecei um projeto chamado "O que eu trouxe na bagagem". Vou às escolas públicas e particulares da Baixada Fluminense e palestro sobre como é possível "ganhar o mundo". Dei palestra também na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Sai da Marinha para me dedicar aos estudos. Às vezes não tenho nem o dinheiro da passagem para ir à faculdade, moro há uma hora e meia de distância. Estou vendendo perfumes para poder pagar a condução.

O que eu mais quero é levar esse projeto adiante e montar um outro de inglês comunitário. Assim, vou rodar o Brasil inteiro dizendo que nós, da periferia, somos capazes.


Endereço da página:

Links no texto: