Folha de S. Paulo


'Células de câncer são lindas no microscópio, mas não num filho'

A bióloga Mariana da Rocha Piemonte, 38, havia estudado câncer em seu mestrado e doutorado Ðpor isso soube o desafio que seu primogênito, Guilherme, 9, enfrentaria ao ser diagnosticado com leucemia. Na Abrale, recebeu informações e apoio, quando pleiteou tratamento mais humanizado em um hospital de Curitiba. Compareceu a encontros e hoje, com o filho curado, participa das reuniões da associação.

Na Lata
Suely Hieda, diretora, em sala de aula da escola Vivian Marçal, em Curitiba
Suely Hieda, diretora, em sala de aula da escola Vivian Marçal, em Curitiba

Leia a seguir seu depoimento.

"O choque do diagnóstico é terrível. [Meu filho Guilherme, na época com três anos e nove meses,] tinha leucemia com alto risco de recaída.

Eu conhecia a doença: sou bióloga e fiz meu mestrado e doutorado sobre câncer. É lindo ver as células se reproduzirem no microscópio, mas as coisas mudam quando isso acontece num filho. Achei que ele não fosse resistir.

O tratamento começou em 2007 e combinava duas fases. Havia a de internação, de três a sete dias, para a quimioterapia, e a que íamos para o hospital para ele receber medicação e voltar para casa.

Já nessa época, fiz meu primeiro contato com a Abrale. É a única associação que conheço nessa área que presta serviços jurídicos, dá assistência psicológica e oferece apoio. Sempre gostei da troca que existe entre familiares, médicos e psicólogos.

A instituição organiza não somente grandes encontros, mas também cursos muito bons, em que eu participava como mãe e profissional, como o de atualização em onco-hematologia.
Para mim, falavam de novos medicamentos, protocolos, o que fazer para consegui-los. Mas a ajuda vai desde algo básico, como o transporte, até um medicamento que não está disponível Ðe a associação briga por ele.

Quando a doença do Guilherme regrediu, os médicos aconselharam a fazer um transplante de medula. Fizemos o teste e descobrimos que o Gustavo [o caçula, então com seis meses] e ele eram 100% compatíveis.

Em 2009, fomos para um hospital que realizava transplantes. Três meses depois, o Guilherme foi chamado, e os dois ficaram internados.

Gustavo se recuperou superbem. Chegou no colo do pai com um curativo gigante nas costas, mas sorrindo, brincando e comendo.

Tudo correu bem, até o Guilherme ter alta. Enfermeiros, médicos, nutricionistas e terapeutas ocupacionais da área de transplantes sempre foram muito bons. O problema começou no ambulatório.

Era tudo misturado: adultos e crianças. Havia profissionais que não sabem o que é tratar o paciente com humanização Ð99% das pessoas eram maltratadas.

Eu reclamava, mas não tinha resposta do hospital.

Até que, um dia, o médico se recusou a atender porque cheguei atrasada.

Perguntei a ele: "Por que você quer que eu chegue aqui às 8h se você só vai atendê-lo às 11h? Meu filho é pós-transplantado, tem imunidade superbaixa e fica no corredor até ser atendido.
Por quê?"

Ele disse: "Não vou atender". Respondi que meu filho não seria mais atendido lá.

Escrevi uma carta de 12 páginas e enviei para os conselhos de medicina, os diretores do hospital e a Abrale.

Pouco depois, durante um congresso no hospital, a Merula [Steagall, presidente da associação] apareceu com a carta que eu havia escrito debaixo do braço.

A Abrale fez o papel dela: questionar e tirar satisfações. A partir dali, as pessoas que indiquei foram direcionadas para cargos administrativos.

O ambulatório foi dividido, e o corredor está separado entre crianças e adultos.

Hoje, quando há algum evento organizado pela associação em Curitiba, como o Dia Nacional do Linfoma, procuro participar.

Conto sobre minha experiência para outras mães e outros pacientes e procuro transmitir muita força a quem está passando por isso.

Voltei a dar aulas e consegui retomar minha vida.

Agora, meus dois filhos estão saudáveis."


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