Folha de S. Paulo


Educação financeira de crianças pode mudar vida de famílias de baixa renda

O acesso democrático à educação financeira pode representar um meio para diminuir as disparidades sociais e a percepção de que o ciclo de pobreza, que acomete gerações de uma mesma família, é aceitável ou natural.

Colaborar no progresso da educação no Brasil para construir uma nova sociedade só faz sentido na mão de pessoas com educação sólida e boa formação de virtudes e valores.

Estamos diante de uma geração de crianças que precisam se preparar para trabalhos que ainda nem existem. Elas precisam ser suficientemente disciplinadas para saber para aonde ir e como chegar lá.

Como? Há muitas teses e muito trabalho por fazer. Warren Buffett diz que "os hábitos financeiros que alguém desenvolve quando é jovem estarão com o indivíduo quando se tornar adulto".

Longe de ser uma utopia defendida por um simpatizante de projetos transformadores em educação, essa premissa está bem alicerçada por eventos concretos e que se repetem, por exemplo, nos negócios familiares que não chegam à terceira geração.

Neto e filho de educadoras, como executivo financeiro percebi que a crise financeira-bancária em 2008 trazia à tona a importância de uma cadeia de educação forte, confiável e de melhores projeções para um país em desenvolvimento.

A face mais visível desse processo foi a inversão do modelo de ensino-aprendizagem –que se esgotava em todo mundo e que no Brasil implica em definitivas transformações como parte do amadurecimento do país.

Uma transformação que urge, diante de números alarmantes, de escândalos que se sucedem e da baixa perspectiva de crescimento sustentável em um país com aptidões relevantes, mas ainda baixo "apetite" coletivo por mudar o status quo.

Pesquisas realizadas pela Data Popular sobre organização financeira doméstica das famílias brasileiras revelam que 36% dos entrevistados declararam ter o perfil "gastador"; 54% não conseguem honrar as dívidas nem ao menos uma vez na vida; apenas 31% poupam regularmente para aposentadoria.

Parte crescente da renda familiar tem sido destinada ao consumo, ao passo que as taxas de poupança são demasiadamente baixas.

Essa situação –que diminui a capacidade de investimento do país– mostra a necessidade de iniciativas que provoquem mudanças de comportamento econômico, evitando que se perpetue uma situação em que milhões de brasileiros têm minado o acesso às condições básicas para ascender socialmente.

A educação financeira é o processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoram a própria compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, assimilação que –com informação, formação e boa orientação– leva o indivíduo a desenvolver valores e competências necessárias para se tornar mais consciente da oportunidade e do risco envolvido nesse desafio.

É um trabalho que permite fazer escolhas mais seguras, saber onde, como e quando procurar ajuda e adotar outras ações que melhorem o bem-estar familiar; iniciativas que possam, assim, contribuir de modo mais consistente para a formação de indivíduos e sociedades responsáveis, comprometidos com o futuro.

E onde entra a educação de crianças e jovens nessa equação? Considerando o resultado da avaliação do PISA em educação financeira especificamente –que foi inaugurada em 2014 e contou com a participação brasileira em 2015– 70% dos estudantes brasileiros são incapazes de tomar decisões simples sobre gastos diários; apenas 10% conseguem resolver problemas financeiros complexos.

Feita essa digressão, a questão é como falar de educação financeira para crianças e jovens de uma geração extremamente conectada. Embora envolva uma boa dose de tecnologia e outra tanta de criatividade, a resposta é relativamente simples e vem em formato de games –recursos que permitem uma aprendizagem ativa, capaz de revolucionar as relações de comunicação pré-existentes.

Os games proporcionam a imersão em realidades ficcionais e lúdicas nas quais explorar, errar e persistir são ações-chave para alcançar objetivos; dão a abertura para que os alunos sejam agentes que tomam as rédeas da aprendizagem, quebrando o modelo clássico de recepção passiva de informações dos professores.

Além disso, são um caminho para um aprendizado prazeroso e criativo. Permitem a autonomia, o sentimento pessoal de competência –que deriva do exercício das suas próprias capacidades nas condições de desafio e dificuldade otimizada– e a participação em relações emocionais e pessoais entre indivíduos.

Games geram, ainda, a motivação necessária para o desenvolvimento adequado de competências e habilidades, que sintetizam o "aprender fazendo".

Com esse desafio foi criada a EduCash, proposta educacional inédita que se apoia em games para desenvolver educação financeira para crianças. O game começa com aventuras intergalácticas vividas pelo porquinho Edu que viaja pelo espaço, visitando planetas na missão de ajudá-los a fazer a gestão inteligente de recursos.

No episódio Edu no Planeta das Galinhas, o protagonista tem o desafio de ajudar a economia local, otimizando a produção de ovos –atividade que envolve o exercício de habilidades ligadas a fluxo de caixa e orçamento. A interação com o game propõe que o educador medie conversas, fazendo correlações cotidianas com as analogias do mundo financeiro.

A EduCash está fundamentada na ideia de incentivar a formação de redes de "aprendência", baseadas no questionamento dos problemas colocados, autoposicionamento sobre os sistemas de representações e avaliação contínua do percurso de atividades.

O modelo insere os alunos na vivência de processos de percepção, investigação, reflexão-produção, análise-síntese e retorno reflexivo, estratégia que incentiva o diálogo por meio da convergência dos saberes.

A Educar 3.0 quer ser parte desse desafio de cidadania, levando a solução educacional sobretudo a escolas públicas; atuar com crianças e jovens de menor renda. É parte do nosso sonho responder positivamente à tendência inequívoca para a melhor referência dos sistemas educacionais brasileiros nesse novo milênio.

A educação financeira pode, sim, romper um ciclo de exclusão.

FLÁVIO RAMOS, economista com MBA pelo Instituto de Empresa Business School (Madri), é bacharel em Ciências Econômicas e Contábeis pela UNICAMP e cofundador da Educar 3.0


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