Folha de S. Paulo


Rumo ao empreendedorismo sistêmico

O campo do empreendedorismo social ou de impacto é um dos que mais crescem no mundo. Sem dúvida, este é o setor da economia com mais capacidade de responder aos desafios contemporâneos da humanidade.

No entanto, ainda que bem organizadas estruturalmente, as organizações voltadas para impacto social têm o grande desafio de trabalhar em sinergia e colaboração para gerar as mudanças profundas e sistêmicas que a sociedade precisa.

Foi essa a reflexão que fiz ao longo do ano em que estive em Washington, colaborando com a Ashoka, uma das maiores organizações mundiais de apoio ao empreendedorismo social, ao lado de seu fundador Bill Drayton.

Lá, tive a oportunidade de conviver e me conectar com os mais reconhecidos empreendedores sociais do mundo, e todos eram unânimes em reconhecer a falta de integração e sinergia entre as organizações como um grande limitador do impacto de suas ações. E mais, percebi que –como um efeito colateral– solidão e isolamento eram sentimentos comuns a esses líderes, aqui no Brasil inclusive.

Foi assim que, junto com Bill Drayton, refleti sobre a necessidade de fomentar níveis mais profundos de conexão e colaboração entre esses empreendedores, o que ele chamou de empreendedorismo sinapses.

E do amadurecimento dessa reflexão nasceu, em 2016, em São Francisco, na Califórnia, a Tendrel, associação profissional para empreendedores sociais e de impacto, numa parceria entre a Ashoka, a Skoll Foundation, a Schwab Foundation, o B Lab, o Aspen Institute e a Echogreen, a primeira coalizão entre as maiores organizações de apoio ao empreendedorismo social do mundo.

Da junção de dois termos tibetanos, "depender" (ten) e "conexão" (drel), Tendrel significa interconexão, que é exatamente a missão da associação. Somos um movimento que pretende ser uma resposta a essa "dor comum" dos líderes sociais. Apoiamos essas lideranças, fortalecendo suas dimensões pessoais e profissionais e incentivando o crescimento das relações entre elas.

Dessa forma, por meio do compartilhamento de desafios e de experiências entre pares, esses líderes encontram colaborativamente respostas para seus principais dilemas e conseguem trabalhar de forma sináptica.

Ao longo desses quase dois anos de caminhada, já construímos uma comunidade crescente de 140 membros, em 30 países, que se organizam em grupos em suas cidades, os chamados Tendrel Fóruns, onde os membros compartilham experiências e se apoiam mutuamente.

No Brasil, já são cinco fóruns, dois na cidade do Rio de Janeiro, dois em São Paulo e um em Natal, que reúnem líderes das mais diversas organizações e negócios sociais. A previsão é de que mais fóruns sejam lançados ainda este ano em outras cidades brasileiras.

E a partir desses grupos, pretendemos mobilizar uma infraestrutura para construir agendas com status local e global, numa visão de criação ou fortalecimento do ecossistema de empreendedorismo de impacto dessas regiões. E mais, incentivando esses líderes e organizações a influenciarem as políticas públicas de suas cidades e estados.

Claramente a Tendrel tem feito a diferença, o que vemos em depoimentos como o de Taddy Blecher, CEO do Maharishi Institute, em Johannesburg, cofundador da associação junto comigo e com o Willy Foot, do Root Capital.

"Já atuando há mais de 20 anos neste setor, sei que é uma jornada solitária e que uma organização como a Tendrel tem um potencial para atender a uma necessidade sentida, mas raramente expressa por pessoas como eu. A Tendrel pode crescer muito se mostramos aos empreendedores sociais que eles mesmos merecem tempo e atenção, o que lhes dará energia, inspiração para conseguir muito mais através do potencial da ação coletiva."

O campo do empreendedorismo social ainda tem muitos desafios, mas estamos comprometidos a que a falta de sinergia e conexão entre líderes e organizações não seja mais um deles.

E o êxito que temos alcançado com a Tendrel mostra que a comunidade empreendedora está consciente de que o próximo passo para essa evolução do campo está nas sinapses entre eles para operar uma transformação estrutural e sistêmica na sociedade.

Que muitos mais empreendedores de impacto e líderes sociais venham a se juntar a nós para que, juntos, consigamos impulsionar o resultado de nossas ações individuais e de nossas organizações.

RODRIGO BAGGIO, empreendedor social, fundador e presidente da ONG Recode (antigo Comitê para a Democratização da Informática), presente em 7 países, e cofundador e presidente da Tendrel (associação profissional global para empreendedores sociais e de impacto com sede em São Francisco, Califórnia), integra a Rede Schwab de Empreendedores Sociais


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