Folha de S. Paulo


Desafios da idade representam oportunidade para inovação social

Pierre Duarte/Folhapress
Therezinha Brandolim, 86, alfabetizada aos 82 anos e que hoje faz obras com chita (tecido simples de algodão)
Therezinha Brandolim, 86, faz obras com chita (tecido simples de algodão)

A proporção de idosos de 60 anos ou mais na população brasileira passou de 9,8%, em 2005, para 14,3%, em 2015, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e a tendência é que cresça mais ainda daqui para frente.

Esse dado por si só aponta para desafios para lidar com a população que envelhece ao mesmo tempo que representa uma oportunidade para a inovação social. Mas o que levar em consideração quando pensamos em inovação social para a longevidade? Quem são os agentes de transformação que podem gerar novas ideias para uma boa velhice?

Há diferentes respostas possíveis. Para se adiantar ao tempo, ações intergeracionais são importantes para a quebra de paradigmas em relação à velhice.

Desenvolver a empatia desde criança é estratégico para formar gerações de jovens agentes de transformação social que estejam engajados em propor inovações sociais para a longevidade. Olivier-Hugues Terreault, do Teatro do Sopro, por exemplo, está desenvolvendo um projeto com esse foco, reunindo meninas e idosas que vivem em asilos.

Outro caminho é a valorização dos saberes dos mais velhos. Isso podemos aprender com comunidades tradicionais, tanto indígenas como quilombolas que tradicionalmente valorizam seus idosos.

Ou beber da fonte do conhecimento de quem tem mais experiência, como tem feito o empreendedor social Fábio Bibancos, da Turma do Bem, que convida dentistas veteranos para pensar em caminhos e soluções para os desafios encontrados por sua organização, a maior rede de voluntariado especializado do mundo.

Novas propostas de trabalho também estão sendo pensadas por empreendedores sociais, como Sérgio Serapião, do Lab60+, que reúne seniores para encontrar modelos de profissões para serem desenvolvidas por pessoas mais velhas. A aposta pode ser também em conectar empresas com profissionais mais experientes, que é a proposta da MaturiJobs, criada por Mórris Litvak.

As pessoas com deficiência também estão vivendo mais, o que reflete em novos desafios, como os que têm enfrentado a empreendedora social Marta Gil, do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, voltado para a produção e disseminação de informações que promovam a inclusão social e a qualidade de vida das pessoas mais marginalizadas na sociedade.

Pensar em inovação social para a longevidade requer se antever à velhice. Por isso, a pauta sobre diversidade e a mitigação das desigualdades sociais do nosso país devem estar no centro das soluções.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (2013), a população idosa preta (8,3%) e parda (37,3%) é proporcionalmente menor do que de pessoas mais novas. Ou seja: pessoas brancas vivem, em média, mais do que as outras.

A desigualdade do envelhecimento também se reflete na distribuição geográfica. O Sudeste concentra 45,62% dos idosos do país, enquanto a região Norte 5,72%. A pergunta que fica é o que precisamos fazer nos anos anteriores à terceira idade para equiparar esse desequilíbrio.

Quando o assunto é gênero, um dado relacionado à população trans é alarmante. A expectativa de vida das travestis e das mulheres trans é de 35 anos. A média nacional, segundo dados do IBGE, é de 75,5 anos.

Essas estatísticas são relevantes para refletirmos sobre quem envelhece no Brasil e como pensar em soluções que garantam que todos nós tenhamos o direito de envelhecer e de ter uma boa velhice.

A tendência é que cada vez mais empreendedores sociais olhem para as questões da longevidade. No entanto, o fato de que apenas 1% dos empreendedores sociais da Ashoka no Brasil, a maior rede global do setor, trabalharem com o tema aponta que é necessário acelerar as inovações sociais voltadas para essa parcela importante da população e que há ainda muito por fazer.

Todos podemos ser agentes de transformação social positiva. Inovar para ir mais longe pode ser um instigante ponto de partida.

MIRELLA DOMENICH, coordenadora da Ashoka Brasil, é mestre em Relações Internacionais e Estudos de Desenvolvimento e MBA em Empreendedorismo e Gestão de Novos Negócios.


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