Folha de S. Paulo


Os bastidores de um caso de impacto que melhora desempenho escolar

Divulgação/EduqMais
Plataforma EduqMais, produto da MGov para engajamento dos pais na educação dos filhos
Plataforma EduqMais, produto da MGov para engajamento dos pais na educação dos filhos

Segundo estudo da Universidade Stanford, o EduqMais –produto da MGov para engajamento dos pais na educação dos filhos– é cinco vezes mais efetivo que qualquer outra solução para melhorar o desempenho dos alunos de escolas públicas já avaliada de forma rigorosa no Brasil.

A divulgação desses resultados gerou uma enxurrada de pedidos para explicarmos o que estava por trás desse enorme sucesso do dia para a noite.

As reações entusiasmadas nos fizeram lembrar da frase clássica de Sam Walton, fundador do Wal-Mart: "Como quase todos os casos de sucesso do dia para a noite, foram cerca de 20 anos de preparação".

No caso do EduqMais, foram dois anos intensos de saltos de fé e hipóteses que levariam meses até serem validadas. Compartilhamos neste artigo algumas cenas dos bastidores desses esforços que os números impressionantes do impacto do produto não revelam por si só.

A história começa com o edital lançado pela Fundação Lemann, em parceria com a Omydiar, em abril de 2015, que buscava uma solução para engajar os pais na educação de seus filhos nas escolas públicas brasileiras. Quando decidimos que seria uma oportunidade de ouro para a MGov, nos baseamos em três hipóteses para criar nossa solução:

  1. Mensagens de texto (SMS) seriam a melhor tecnologia para resolver esse problema;
  2. Nudges para engajamento seriam a melhor abordagem;
  3. A MGov teria capacidade para levar essa solução às cerca de 40 milhões de famílias de alunos de escolas públicas no Brasil.

A hipótese 1 não era óbvia. De todas as empresas que participaram do edital, apenas a MGov não desenvolveu um aplicativo móvel. Acreditamos no SMS porque 93,4% dos domicílios brasileiros possuem telefone celular, mas 55% não estão conectados sistematicamente.

Além disso, muitos dos que possuem acesso regular à internet utilizam apenas WhatsApp e Facebook, ferramentas oferecidas sem custo mesmo para aqueles que não têm crédito no pré-pago pela maioria das operadoras. Aliás, cerca de 70% das linhas são pré-pagas no Brasil, país com a telefonia mais cara do mundo.

Havia ainda outros desafios. Naquele ano, tínhamos poucos estudos sobre a efetividade das mensagens de texto para produzir engajamento de pais. Para completar, talvez muitas das famílias mais pobres, público-alvo do produto, não dominassem suficientemente a leitura para que o SMS pudesse entregar o impacto esperado.

A hipótese 2 tampouco era a mais natural. Diversos estudos desde 2012 mostram o enorme impacto de comunicar aos pais sobre faltas, comportamento e desempenho dos alunos, porém nenhum estudo sugeria que simplesmente enviar pequenas pílulas semanais e chamar a atenção dos pais para essas dimensões seria suficiente.

Apostamos na segunda abordagem porque praticamente nenhuma rede de ensino nacional tem sistemas de informação que pudessem servir de base para comunicar essas variáveis em tempo real. Poderíamos obrigar professores a preencher esses dados diariamente numa plataforma –mas isso geraria retrabalho, criando um gargalo adicional para que o produto provocasse o impacto esperado.

A hipótese 3 também era desafiadora, pois à época, a MGov ainda não tinha nenhum produto. Dessa forma, não era claro como seria possível atender 40 milhões de famílias de maneira escalável, sem que fosse necessário ampliar o time para dar suporte aos usuários e com custos decrescentes para que a solução pudesse ser ampliada para a rede toda.

Apostamos, então, na adoção de novas tecnologias –de chatbots para atendimento até integração com WhatsApp e Facebook para os usuários que têm acesso a esses meios. Assim, seria possível tornar o produto escalável e replicável, ainda que não soubéssemos como nem quando isso aconteceria.

Felizmente, a Fundação Lemann acreditou nessas hipóteses quando escolheu a MGov para implementar a solução. Entendemos que tenha sido uma aposta na nossa capacidade de chegar àqueles que mais precisam, apesar das dúvidas sobre as três hipóteses acima.

Ainda bem que a fundação, no esforço de resolver os problemas mais urgentes do Brasil, decidiu dividir o risco com o empreendedor. O sucesso desse impacto é compartilhado com eles, que adotaram uma postura que fundos e investidores de impacto muitas vezes não querem tomar: apostar em modelos ainda não validados, que desafiam o senso comum, e que até por isso teriam grande dificuldade de ganhar mercado de outra forma.

A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo também acreditou nessas hipóteses quando permitiu que a MGov realizasse, em parceria com Itaú BBA e Stanford, um experimento nas escolas da rede, com grupos de tratamento e controle, seguindo o padrão-ouro científico.

É verdade que esse tipo de abertura para experimentação e política baseada em evidência é uma grande exceção no Brasil, porém, a postura do órgão deveria ser um modelo. A iniciativa apenas seria considerada uma potencial política pública após ter seu impacto validado na rede, bem como resolvido de forma satisfatória as questões de custo e escalabilidade.

Quem também acreditou nessas hipóteses foi o nosso time. Passamos de três sócios trabalhando meio período, em 2015, a 22 colaboradores em tempo integral, em 2017. Todos motivados a contribuir com uma startup que nadou contra a maré dos aplicativos para produzir soluções concretas para problemas reais.

Dois anos depois, a hipótese 1 já foi validada: no estudo apoiado pelo Itaú BBA e conduzido pela Stanford com 20 mil pais da rede pública de São Paulo, o SMS foi capaz de produzir impacto em faltas, notas e aprovação, com retorno projetado de 0,4 ponto no Ideb. Esse resultado teria sido suficiente para que a rede pública paulista tivesse batido a meta estipulada para os anos finais do Ensino Fundamental em 2015.

A hipótese 2 também já foi validada: nesse mesmo estudo, descobrimos que ao menos 80% desse impacto vem de simplesmente chamar a atenção dos pais para o comportamento dos filhos na escola. Comunicar aos pais faltas, atrasos e entrega de tarefas tem contribuição adicional muito pequena.

A hipótese 3 está em validação: começamos 2017 com 160 mil pais participantes do EduqMais, com chatbots para atendimento e desenvolvendo integração com Facebook.

Queremos chegar a um milhão de usuários até o fim do ano. Para isso, dependemos de gestores públicos, fundações e institutos –além da Lemann, já trabalhamos com Instituto Votorantim e Instituto Natura e passaremos a atuar no programa Juntos, iniciativa da Comunitas– e empresas envolvidas em ações de responsabilidade social corporativo, como a Livo, que já é parceira.

Ainda que a terceira hipótese siga sendo validada no dia a dia, já não se trata mais de um salto de fé. Dito isso, seguimos precisando de muito esforço nos bastidores para que a solução educacional mais custo-efetiva já avaliada no país possa chegar a todos os alunos das escolas públicas brasileiras.

GUILHERME LICHAND é presidente do Conselho da MGov, professor de Economia do Bem-Estar e Desenvolvimento Infantil da Universidade de Zurique e doutor em Economia Política e Governo pela Universidade Harvard. RAFAEL VIVOLO é diretor executivo da MGov, MBA em Gestão Empresarial pela FIA e vencedor do Prêmio Itaú-Trip Transformadores em 2012


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