Folha de S. Paulo


Crise em presídios prova que setor público não sabe gerenciar PPPs

Além das cenas bárbaras que remontam à Idade Média, as carnificinas nos presídios brasileiros revelam um problema crônico da administração pública brasileira: a incapacidade de gerenciar contratos de concessões de serviços públicos à iniciativa privada.

O caso de Manaus foi um perfeito exemplo de como não se fazer uma delegação de serviços críticos a iniciativa privada por vários motivos, começando-se pelo processo pouco transparente de seleção do fornecedor.

Outro aspecto que chama a atenção negativamente no caso amazonense é o desenho contratual inadequado, uma vez que o modelo adotado para remuneração do ator privado, por interno custodiado, não impõe freios à superlotação carcerária, minando assim as possibilidades de uma operação prisional segura e capaz de promover programas de reinserção social dos internos.

Por fim, tem-se a fiscalização deficiente dos contratos, que somado ao não cumprimento das funções de direção e segurança, essas de responsabilidade do governo estadual, ajudou a moldar a tragédia manauara.

Assim, o problema de Manaus é, em última instância, uma questão de gestão contratual incorreta por parte do governo estadual, tanto dos contratos firmados com o setor privado quanto dos contratos pactuados com seus próprios funcionários.

Problemas contratuais com o setor privado, contudo, não é algo exclusivo do governo do Amazonas. Tome-se o exemplo dos estádios de futebol em regime de PPP (Parceria Público-Privada) no Brasil.

Se de um lado, esses arranjos foram em certa medida eficientes para entregar as obras a tempo de não comprometer a realização do mundial de futebol, por outro falharam no quesito sustentabilidade financeira dos equipamentos, a julgar pela necessidade de aportes financeiros substanciais por parte dos governos estaduais para que os estádios continuem operando de forma adequada.

A pergunta que não quer calar é: por que tais problemas ocorrem? Seria ignorância ou má-fé dos agentes públicos envolvidos?

A ignorância está ligada ao fato de as pessoas envolvidas não observarem o estoque de conhecimento acumulado para conceber e executar contratos junto ao setor privado.

Nesse caso, além de sinalizar a necessária credibilidade para atrair agentes econômicos para programas de concessões e PPPs, cabe aos governantes de plantão se convencer de que a incapacidade de desenhar e gerir contratos junto à iniciativa privada é um grande problema a ser enfrentado.

Para tal, é necessário promover um massivo programa de capacitação dos funcionários públicos envolvidos no tema. Além de intrinsecamente motivados, é preciso que os agentes públicos saibam especificar corretamente o que se deseja contratar, compreender qual modalidade de contratação é a mais adequada, selecionar os fornecedores de forma transparente e observando o binômio custo-qualidade, além de assegurar o cumprimento dos termos contratuais firmados de maneira a preservar o interesse público.

O caso de má-fé pode ser atacado por meio de investigação minuciosa para que se revele como a intenção dolosa foi configurada, quem foi beneficiado, e, mais importante, que os responsáveis sejam severamente punidos, independentemente do grupo político a que pertençam, de maneira a aumentar o custo percebido do malfeito e desencorajar novas ocorrências futuras.

Entram em cena aqui órgãos de controle e organizações de nosso sistema de justiça criminal. No entanto, o papel desses atores para um bom processo de gestão dos contratos vai além da função fiscalizadora.

Tanto no processo licitatório quanto na fase de execução contratual, as intervenções dos componentes de órgãos de controle e do sistema de justiça devem ocorrer no espírito da lei e não por meio de análises custo-benefício de qualidade duvidosa, não raro, baseadas em meras convicções pessoais.

A incerteza contratual gerada além de afugentar o investimento privado em serviços públicos, algo desejado por governos de esquerda e de direita, frequentemente beneficia grupos de interesse venais que perderiam caso os contatos fossem geridos de forma transparente e tecnicamente embasada.

Maiores volumes de investimento e melhores serviços prestados à população somente serão possíveis caso o poder público como um todo aprenda a desenhar e gerenciar contratos.

SANDRO CABRAL, doutor em administração, é professor de Estratégia do Insper


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