Folha de S. Paulo


Igualdade Racial: uma causa de todos!

Imagine um jogo onde o ponto de partida dos participantes varia de acordo com a cor da pele deles? Este é o jogo do privilégio branco. E estamos participando dele neste momento.

Na lógica da dinâmica, só por ter acesso a esta informação que você está lendo agora já pode se considerar privilegiado e dar um passo adiante.

Não se preocupe. Não precisa se mexer desta vez, mas pode assistir ao vídeo "Jogo do privilégio Branco do ID_BR", produzido pelo Instituto Identidades do Brasil, uma instituição sem fins lucrativos que apoia a inclusão, retenção e ascensão de profissionais negros no mercado de trabalho.

ID_BR apresenta: Jogo do Privilégio Branco

Após ver o vídeo, você poderá refletir mais sobre como a raça interfere na vida das pessoas negras em nosso país, combinadas com as desigualdades de classe ou gênero.

Através do ID_BR, gravamos esta dinâmica e convidamos pessoas de diversas raças para participar. Colocamos 13 participantes alinhados e fazemos perguntas que abrangem temáticas como educação, emprego, autoidentificação racial, de gênero entre outras.

Eles respondem às questões com passos para frente ou para trás. E a conclusão é que o negro, geralmente, fica nas últimas linhas, sobretudo por conta do aspecto racial.

Temos realizado esta dinâmica em muitas empresas e percebemos que a questão é que quando pensamos em privilégios geralmente muitos afirmam que tiveram que enfrentar barreiras na vida. Ah, mas estas todos enfrentam, você pode pensar.

No entanto, os privilégios que estamos falando aqui são micro e fazem parte da Vida cotidiana. Estão em atos como ter tido alguém que te levasse na escola ou nunca ter passado por uma situação onde sua pele ou cabelo virasse alvo de piadas e te impedissem de alcançar uma oportunidade de emprego.

Se não enxergou as minúcias que estas ações podem impor às dinâmicas no mercado de trabalho é até certo ponto normal, afinal quanto mais privilégios se têm menos conseguimos entender o que são os privilégios, como afirmou, Otávio, um dos participantes da dinâmica do nosso filme.

Este foi um dos motivos da criação do Instituto Identidades do Brasil. Estimular esta reflexão e também as práticas que ajudem no rompimento do que que Hasenbalg e Silva (1992) chamam de "ciclo cumulativo de desvantagens" dos negros.

Segundo estes estudiosos, as estatísticas demonstram que, além de ter um ponto de partida desprivilegiado para os negros em relação aos brancos, em cada etapa da competição social, seja na educação, seja no mercado de trabalho ou em outros âmbitos, são somadas novas discriminações que aumentam tal desvantagem.

E tais desproporcionalidades afetam a sociedade de maneira geral. Hoje a população negra (segmentos pretos e pardos somados) representa 54% da população, mais de 100 milhões de pessoas no Brasil, segundo o IBGE. Um mercado consumidor de mais de R$ 1,5 trilhões, segundo a Locomotiva Instituto de Pesquisa). No entanto, apenas 5% dos cargos executivos são ocupados por homens negros.

Com as mulheres negras, a situação ainda é mais alarmante (menos de 1%), de acordo com o Instituto Ethos. Esta mesma organização realizou cálculos que mostram que sem ações afirmativas demoraremos pelo menos 150 anos para equilibrar o número de profissionais negros e brancos no mercado de trabalho.

É simplesmente muito tempo. Não é possível não enxergar a correlação entre a grave crise econômica que enfrentamos na atualidade e estes números. Há muito o que ser feito e uma das primeiras etapas é a visualização e engajamento da sociedade.

A igualdade racial não é uma causa só da mulher ou do homem negro, mas de todos nós. E há empresas que já estão enxergando isso e saindo na frente.

Empresas com índice alto de diversidade de raça têm 35% mais probabilidade de obter resultados financeiros acima da média no seu ramo revelam dados da pesquisa Diversity Matters (diversidade importa), realizada em 2015 pela McKinsey.

No intuito de estimular a propagação do tema e a execução contínua de práticas em prol da promoção da igualdade racial nas empresas, em complementariedade ao Estatuto da Igualdade Racial de 2010, foi criado o selo "sim à igualdade racial", com ações desenvolvido em diversas empresas, entre elas o Serasa Experian.

No mês de janeiro, o tema foi discutido em Mountain View, na Califórnia, em um encontro promovido pelo Google. a ideia é espalhar esta pauta nos 365 dias do ano. A meta neste ano é engajar pelo menos dez empresas, construindo com elas planos de ações visando práticas mais igualitárias e maior absorção e retenção de profissionais negros.

Entendemos que enquanto a cor da pele for um privilégio para uns e problema para outros será nossa responsabilidade transformar igualdade em realidade.

Falar sobre este assunto e promover, de fato, ações contínuas que transformem o comportamento das pessoas na sociedade em que vivemos é urgente.

Negar ou minimizar o racismo é tão ineficaz quanto, por exemplo, dizer que a Chikungunya desapareceria naturalmente se parássemos de falar sobre.

Neste aspecto há mais um fator em comum: ambas são doenças, sendo que a primeira é social e a segunda, física. As duas merecem a atenção de todos nós.

LUANA GÉNOT é fundadora e diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil, publicitária e mestranda em Relações Étnico-Raciais (CEFET-RJ)


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