Folha de S. Paulo


Black Friday: bom para quem?

Comprar algo que não precisamos, mesmo que pela metade do preço, é muito caro. Na verdade, nada é mais caro do que o que não precisamos. Apesar dessa constatação ser relativamente simples,muitos acabam se rendendo à Black Friday, que em 2016, cai em 25 de novembro.

Com promessas de grandes descontos, a data, criada nos Estados Unidos, foi acolhida no Brasil por muitos varejistas com ações promocionais ao longo de todo o mês de novembro, ampliando o que era apenas um dia para uma semana e, até mesmo, para uma quinzena.

Leonardo Benassatto/Futura Press/Folhapress
Populares aproveitam as promoções da Black Friday no Extra, unidade da Ricardo Jafet em São Paulo (SP), nesta quinta-feira (24).
Populares aproveitam as promoções da Black Friday no Extra, em São Paulo (SP), nesta quinta (24)

É praticamente impossível não se sentir pressionado a consumir dado o bombardeio de anúncios. Paul Mazur, da Lehman Brothers, na década de 1930, propôs uma nova mentalidade para a América.

"Nós precisamos mudar a América de uma cultura de necessidades para uma de desejos. As pessoas precisam ser treinadas a [...] quererem coisas novas mesmo antes das antigas terem sido consumidas. Nós precisamos mudar a mentalidade na América. Os desejos do homem devem ofuscar suas necessidades."

Nessa fala, Mazur postulou, com toda clareza, a mudança ocorrida durante o século 20, para uma sociedade do consumo como um fim em si mesmo e não apenas como instrumento de bem-estar.

A Black Friday leva às últimas consequências o ofuscar as necessidades com os desejos. No limite, como se viu em outros anos nos Estados Unidos, as pessoas se acotovelam na porta das lojas, na expectativa de conseguir comprar o que provavelmente não precisam usando um dinheiro que provavelmente não têm, superando quase toda racionalidade. Mazur ficaria orgulhoso do resultado de sua postulação.

Nesse contexto, vale refletir sobre os impactos do consumo, que não se limitam ao desconforto provocado em muitos pela insatisfação de não comprar tudo o que parece ter um bom preço.

Vai muito além do ato de comprar, iniciando no desenvolvimento dos produtos, passando pela extração de recursos naturais, pela produção em si, pelo transporte das fábricas às lojas e das lojas aos consumidores.

E mais, pois, ao final da vida útil dos produtos, há ainda o descarte, envolvendo seu transporte e disposição, tudo isso com impactos sobre o meio ambiente e sobre a sociedade que tem, como contrapartida, em um número imenso de vezes, apenas um momento fugaz de satisfação, facilmente superado pela oferta dos próximos produtos que vão oferecer a felicidade comprada na prateleira.

Além dos impactos ambientais, como a geração de gases de efeito estufa, causando o aquecimento global e as mudanças climáticas, o excesso de consumo, sem planejamento e reflexão, pode prejudicar o bolso do consumidor, que muitas vezes se endivida com cartões de crédito e empréstimos, uma possível bola de neve que prejudica, ao invés de promover o bem-estar de cada indivíduo e de suas famílias.

Para evitar isso, é fundamental que os consumidores pensem a real necessidade de comprar e, se a resposta for positiva, a real condição de gastar os recursos do pagamento de forma confortável.

O consumo representa, quer queira quer não, um voto de confiança nas empresas que produzem e que vendem. Parte dessa confiança é acreditar que elas nos oferecem produtos cujas características e preço, especialmente em tempos de Black Friday, são condizentes com o bem-estar da sociedade e com a vida no planeta.

Nas últimas décadas, as empresas têm se dedicado de modo crescente a maiores cuidados com o meio ambiente e a sociedade. Agora, está na hora do consumidor dar mais um passo e tomar a rédea de sua própria vida, exigindo de si uma decisão acertada para o seu bem-estar individual e de sua família, refletindo sobre por que comprar e a real necessidade do que compra.

Nesse sentido, é bom lembrar que pesquisa do Akatu junto aos consumidores apontou que, independentemente de classe social ou faixa etária, a felicidade para dois terços das pessoas é dada por estar saudável e ter a família saudável, enquanto que 60% afirmou que conviver bem com a família e os amigos é a sua definição de felicidade. Não é preciso dizer que a Black Friday não coloca esses "produtos" à venda.

HELIO MATTAR, idealizador, co-fundador e diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente


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