Folha de S. Paulo


Dinheiro por resultado: a inovação dos Contratos de Impacto Social no mundo

Em 2010, a organização sem fins lucrativos Social Finance UK desenvolveu o conceito de "Social Impact Bond", em português Contrato de Impacto Social, um novo tipo de contrato de pagamento por resultados sociais.

Por exemplo, o Estado passaria a pagar o operador do serviço social por um preso que não volta a cometer um crime ao invés de pagar pelo alojamento do mesmo preso.

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Essa diferença tem uma grande implicação, porque no caso de pagar por atividades, o operador tem incentivo em seguir exatamente o que foi contratado e colecionar notas fiscais carimbadas. Ao pagar por resultado, o incentivo passa a ser inovar em busca de maior eficácia e eficiência.

Uma característica adicional relevante é que, como o pagamento é feito após o resultado, o que pode levar desde alguns meses até vários anos, surgem as figuras do financiador - que adianta o capital durante a operação e o recupera, potencialmente com ganho financeiro, após o atingimento do resultado - e do avaliador independente - que indica se o resultado foi atingido (ou não) o que implica pagamento (ou não) do contrato.

Na prática funciona assim: No Reino Unido mais de 15 milhões de pessoas são acometidas por doenças de longo prazo, sendo estas as usuárias mais assíduas dos serviços de saúde e com menor qualidade de vida. Assim, na região de Newcastle se pensou em um SIB que fizesse uso de intervenções não-médicas para auxiliar os moradores em uma mudança em seus estilos de vida, melhorando seu bem-estar e reduzindo a pressão sobre os serviços primários e secundários do sistema de saúde britânico.

Então se selecionou uma população potencial de 11 mil pessoas nessas condições como população alvo e a remuneração ocorre a partir de dois objetivos centrais: o incremento da sensação de bem-estar, redução do isolamento social e da necessidade de consultas médicas e a redução do custo dos serviços de saúde secundários como resultado do desenvolvimento da capacidade de autocuidado.

Até hoje, cerca de 60 contratos similares, totalizando por volta de US$ 216 milhões, foram assinados por governos em vários continentes abordando temas como empregabilidade, evasão escolar, redução de reincidência, diabetes e jovens em situação de rua alcançando mais de 90 mil pessoas.

No Brasil, a SITAWI Finanças do Bem é pioneira no tema e está trabalhando com o governo do Estado do Ceará na área da saúde, com apoio do BID, do Instituto Sabin e da própria Social Finance UK.

De forma resumida, a experiência até o momento pode ser considerada um sucesso em pequena escala: foram lançados 60 projetos em 15 países, 22 deles reportaram informações sobre performance, sendo que destes 21 atingiram resultados sociais positivos. Doze projetos tiveram pagamento de resultados e quatro já foram totalmente repagos para o investidor.

O primeiro grupo de aprendizados tem a ver com quais desafios sociais têm maior alinhamento com esta nova ferramenta. Em geral são aqueles que têm populações-alvo identificáveis, com necessidades complexas, que requerem intervenções customizadas, com operadores experientes que se beneficiariam de capital externo para testar inovações baseadas em evidências para compensar a incerteza do nível exato de resultados que podem ser alcançados.

Nestes casos, a economia associada ao atingimento do resultado social tende a ser suficientemente importante para valer a pena testar uma nova abordagem.

Um segundo grupo de aprendizados tem a ver com o lado governamental. Em geral, este tipo de iniciativa floresce em governos dispostos a investir capital político em inovação e com secretários tanto das áreas sociais quanto das pastas financeiras e de controle que trabalham de forma colaborativa - já que é possível que as economias estejam espalhadas em várias áreas.

Ainda neste grupo, é possível incluir incentivos públicos, como um fundo de R$ 300 milhões atualmente em discussão no congresso dos Estados Unidos ou o proposto pela Força Tarefa Brasileira de Finanças Sociais para fomentar a adoção do mecanismo.

Apesar de ter nascido na Inglaterra e ter ganho escala nos Estados Unidos, o Social Impact Bond está se espalhando pelo mundo, com implementações em vários países da Europa, Austrália, Índia e Peru, e há estruturações em curso no México e no Brasil, em cada país com pequenas adaptações para se ajustar ao contexto político-jurídico-social local.

Dessa maneira, os últimos cinco anos trouxeram uma série de aprendizados para o campo, que foram identificados e consolidados no relatório "Social Impact Bonds, The Early Years", de autoria da Social Finance UK, uma referência e importante fonte de consulta sobre a experiência com os contratos de impacto social no mundo.

O Brasil tem um mix "ideal" de desafios sociais em escala e sofisticação dos atores de finanças sociais, o que representa um campo fértil para contratos por resultados sociais. Ainda há questões que estão sendo resolvidas - como quais os marcos jurídicos que serão aproveitados e adaptados para os contratos de resultado - mas já é visível o interesse tanto de governos, quanto de potenciais investidores.

Com o interesse crescente de governos, investidores, operadores e avaliadores, o campo está ganhando massa crítica para enfrentar os desafios técnicos e aproveitar oportunidades de intervenção na vanguarda de políticas públicas estratégicas para o país, como a desospitalização de pacientes crônicos e a evasão escolar.

As primeiras experiências exitosas no Brasil serão determinantes na construção das melhores práticas de estruturação dos contratos, um processo complexo e com alto nível de customização, que servirão para construir capacidades fundamentais no ecossistema para sua disseminação nos mais diversos contextos.

Como resultado, teremos a mobilização crescente de recursos públicos e privados para financiar soluções efetivas para os maiores problemas sociais do país.
Nossa expectativa é que no relatório dos próximos cinco anos, o Brasil esteja em posição de destaque. Mas, para isso, é mãos à obra!

LEONARDO LETELIER, CEO da Sitawi Finanças do Bem, parceiro do Prêmio Empreendedor Social; RAFAEL RIBEIRO, coordenador da iniciativa de Social Impact Bonds na Sitawi Finanças do Bem; e BRUNO PANTOJO, analista na iniciativa de Social Impact Bonds na Sitawi Finanças do Bem


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