Folha de S. Paulo


O papel das escolas contra o bullying: educar agora é lei

Apelidos e rótulos sempre fizeram parte da identidade de turmas ou grupos. De igual forma, situações constrangedoras envolvendo os "apelidados" ou "rotulados" não raras vezes deram origem a traumas, mágoas, sofrimento psicológico e até físico.

Como vítimas, algozes ou meros espectadores, sabemos que a prática de bullying não é novidade dos nossos tempos de intolerância.

Novidade, sim, é que desde fevereiro deste ano encontra-se em vigor a lei 13.185, que trata do combate à intimidação sistemática.

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A legislação impõe a instituições de ensino, públicas e privadas, clubes e outras agremiações recreativas o dever de adotar programas de combate à prática.

Segundo a lei, considera-se intimidação sistemática todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

Insultos pessoais, comentários sistemáticos, apelidos pejorativos, ameaças, expressões preconceituosas e isolamento social consciente e premeditado com o intuito de intimidação, humilhação ou discriminação são consideradas formas de bullying.

Além disso, a lei reconheceu a prática do chamado "cyberbullying", quando são utilizadas as redes sociais ou a internet para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.

Críticas não faltam à nova legislação. Para alguns, a lei colocou as escolas em situação de fragilidade, pois verificada a conduta descrita, é possível que pais busquem imputar às instituições a responsabilidade pelas ofensas ocorridas.

Há, no entanto, quem diga que a lei contribuiu para um necessário processo de mudança cultural, que não seria possível sem envolver espaços e ambientes onde as práticas de intimidação muitas vezes acontecem.

Na prática, observa-se que o maior objetivo da lei é estimular, promover e desenvolver medidas de conscientização, prevenção e combate à prática do bullying e não a punição dos agressores, que já encontra respaldo em outros instrumentos legais.

Tanto é que a lei expressamente privilegia mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil.

Esse também é o entendimento do professor Carlos Walter Dorlass, diretor geral do Colégio I. L. Peretz, que hoje já tem implantando um programa de combate a esta prática.

O diretor ressalta que "o foco da lei sancionada não é a punição. A função da escola é pedagógica e não punitiva. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê punições ou responsabilizações quando há violações de direitos, quer seja praticado por pessoas adultas ou entre os próprios adolescentes".

Para que os programas de combate sejam aplicados de modo eficaz, a lei prevê em seu artigo 4º, inciso 2º, a capacitação de docentes e equipes pedagógicas para a implementações das ações.

Entre elas, discussões, prevenções, orientações e soluções de problemas, além de outras medidas tais como campanhas de educação, conscientização e informação, orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores.

No âmbito de entes federados, a lei também prevê, em seu artigo 7º, a possibilidade de estabelecimento de parcerias para a correta implementação e execução dos programas.

Como em tempos de intolerância o respeito às diferenças é cada vez mais um desafio, é necessária uma postura mais clara sobre a não aceitação de manifestações de ódio e desrespeito.

Nesse sentido, cabe às famílias, à sociedade e também às escolas o papel de educar para a cidadania, de desenvolver a capacidade empática, a inclusão e a diversidade, como parte do respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua, como bem destaca a nova lei.

STELLA REICHER, é advogada, mestre em direitos humanos pela USP e sócia do Szazi Bechara e Storto Advogados, parceiro do Prêmio Empreendedor Social

MAYARA DORLASS, é advogada, especialista em direito civil e empresarial pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus


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