Folha de S. Paulo


Por que as inovações sociais não ganham escala?

Todos nós gostaríamos de ver inovações que resolvem desafios sociais e ambientais sendo replicados pelo mundo. Por que isso não acontece? Por que inovações sociais não escalam ou levam muito mais tempo para serem replicadas do que inovações em negócios?

Quais são os desafios que impedem esse crescimento? O que podemos fazer para mudar essa realidade?

Existem ainda poucas referências acadêmicas para compreender esse desafio, quando comparamos com a produção para explicar e relatar cases de replicação de inovações em negócios.

No entanto, baseado no conhecimento prático com inovações sociais que emergem nos Impact Hubs espalhados pelo mundo, identifico algumas causas principais.

Entre elas, a falta de visão e/ou ambição dos empreendedores quanto ao potencial das inovações sociais que criaram serem multiplicadas em várias outras cidades e países. Falta também conhecimento de como iniciar o processo para escalar uma inovação social, além de não haver infraestrutura e suporte para planejar e executar um processo de expansão/replicação da inovação desenvolvida.

Identifico ainda carência de incentivos sociais e econômicos para os parceiros replicadores da inovação social em novos mercados. Sem falar na dificuldade na definição do modelo de expansão e identificação dos parceiros que podem liderar a replicação em outras cidades e países.

Para tentar resolver esse desafio criamos o Impact Hub Scaling Program, um programa desenhado especialmente para escalar inovações sociais para diversos países.

Iniciamos nosso piloto com oito países na Europa: Inglaterra, Espanha, Itália, Romênia, Holanda, Grécia, Áustria e Suécia.

O programa foi prototipado em 2014 e lançado neste ano e já está apoiando mais de 100 empreendimentos a escalarem suas inovações para esses oito países.

Para tanto, eles recebem mentoria especializada, conexão nos outros países com potenciais parceiros e investidores e passam por formações para capacitá-los com as habilidades necessárias para expandirem suas atividades.

Entre os exemplos de inovações sociais que estão sendo apoiadas nesse processo, posso citar a da Events, uma empresa social que trabalha com escolas públicas para alugar seus espaços à noite e nos finais de semana para a comunidade local. O objetivo é oferecer espaços para eventos e encontros a um preço acessível, além de a escola passar a ter uma nova fonte de receita.

Outro exemplo é a Proversity, que trabalha com empresas, governo e instituições de ensino para criar universidades digitais com cursos de desenvolvimento profissional ministrados pelos empregadores gratuitamente. Desse modo os empregadores formam pessoas com as competências que precisam e as pessoas têm maiores chances de ser contratadas.

Um outro caso é o da Aprendices Visuales, que aplicam tecnologia para transformar a vida de crianças autistas. Já atingiram mais de 50.000 crianças na Espanha.

Não existe uma única solução para todos os casos, mas eles já construíram diversas ferramentas diferentes para enfrentar esse desafio de ganhar escala.

Existem alguns modelos de replicação mais validados, mas não existe uma solução única para resolver esse desafio. Entre as possibilidades estão franquias, modelo seguido pelo projeto Saúde Criança, que começou no Rio de Janeiro e foi replicado em outras cidades, entre elas Florianópolis.

Outro modelo são os "chapters", de criando "filiais" responsáveis por uma região geográfica, uma cidade, um Estado, um país ou uma área do globo. São elas que vão operar localmente contando com parte de um orçamento global e parte sendo captada localmente pela venda de produtos e serviços ou via captação de recursos.

Um exemplo presente em mais de cem países é a AIESEC (maior associação global de estudantes que promove o desenvolvimento de lideranças responsáveis). Outras organizações sociais conhecidas, como Greenpeace, WWF e Médicos Sem Fronteiras, também utilizam estratégias similares.

Outra opção e ter uma rede própria, como o Grameen Bank, que depois de desenvolver o microcrédito cresceu bastante dessa maneira.

Um outro caminho são os "Creatives Commons": iniciativas que disponibilizam informações de como replicar a inovação para um grande número de pessoas. Um exemplo é o Banco Palmas, uma instituição comunitária, que desenvolve várias metodologias na periferia de Fortaleza e disponibilizou informações de como outras comunidades poderiam iniciar seus próprios bancos comunitários.

Existe ainda a chamada "Cooperativa Global", modelo desenvolvido pelo Impact Hub.

Essa lista não é exaustiva, mas apresenta alguns caminhos para que inovações sociais atinjam uma escala mais significativa e possam contribuir na solução de desafios que têm proporções globais.

A rede do Impact Hub é um exemplo de uma iniciativa local, nascida em Londres em 2005. Um segundo espaço foi criado São Paulo em 2007 e hoje já são mais de 80 Impact Hubs espalhados pelo mundo.

Foi um modelo de crescimento bastante decentralizado e que se aproxima da ideia de uma "cooperativa global", com uma associação global na qual cada Impact Hub local tem um voto e essa associação detém 100% das ações da empresa Impact Hub Global.

Agora, o Impact Hub vai levar o "Scaling Program" para outras regiões do mundo, inclusive a América Latina.

Alguns atores do ecossistema de impacto já estão explorando formas de contribuírem na solução desse desafio, mas é importante que mais pessoas se envolvam de forma estratégica nessa discussão e na criação de cases que possam inspirar mais empreendedores e inovadores sociais a compreenderem o potencial da inovação que desenvolveram.

Já estamos enfrentando desafios globais como mudanças climáticas, falta de acesso a água tratada e saneamento básico, déficit de moradia em centros urbanos, falta de acesso a alimentos de qualidade, sistemas de saúde e educação incapazes de atender as demandas existentes hoje.

Demandas que exigem que sejamos mais ágeis no processo de levar soluções práticas para a vida de comunidades ao redor do mundo.


HENRIQUE BUSSACOS, cofundador Impact Hub São Paulo e Florianópolis


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