Folha de S. Paulo


Racismo trava avanços no combate à mortalidade por anemia falciforme

A mortalidade por anemia falciforme até os cinco anos de vida pode chegar a 35% se as crianças portadoras não tiverem acesso ao diagnóstico precoce e tratamento adequado.

Trata-se de uma doença genética e hereditária, que afeta predominante em negros, e se caracteriza por uma alteração nos glóbulos vermelhos, que adquirem o aspecto de uma foice (daí o nome falciforme) e endurecem, dificultando a oxigenação dos tecidos.

É uma enfermidade culturalmente negligenciada nos sistemas de saúde de todos os continentes.

Por isso, em 2009, em atenção às reivindicações das organizações da sociedade civil, a ONU (Organização das Nações Unidas) instituiu o 19 de junho como Dia Internacional de Conscientização e Ação no Combate a Mortalidade Infantil por Anemia Falciforme.

A data é um marco mobilizador de ações que revertam a mortalidade da doença. Com essa iniciativa, a ONU quis chamar a atenção dos ministros de saúde integrantes dos Estados membros da organização para somarem esforços na implantação de políticas que revertam esse quadro.

É um chamamento também aos compromissos pactuados em 2000, que ganharam o nome de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O de número quatro é justamente a redução da mortalidade infantil.

No Brasil, a somatória de esforços das associações nos vários Estados da federação, trabalhando de forma conjunta com o Ministério da Saúde, vem contribuindo para reverter esse quadro.

A mortalidade em alguns Estados, em especial nas regiões Sul e Sudeste, passou de 35% para 2,5% até os cinco anos de vida.

Redução que pode ser explicada por conquistar políticas como a inclusão de tecnologia para detecção da anemia falciforme no Programa Nacional de Triagem Neonatal, de 2001.

E também pela inclusão no SUS (Sistema Único de Saúde) de procedimentos como diagnóstico ao nascer, tratamentos, profilaxia com penicilina, medicamentos na farmácia de alto custo e exames especializados.

Em 2005, tivemos outra conquista, com a portaria 1.391 do Ministério da Saúde, que institui no Sistema Único de Saúde a Política de Atenção Integral às pessoas com anemia falciforme e outras hemoglobinopatias.

Passados dez anos, no entanto, a medida ainda não foi implantada como política de Estado e continua sujeita a variações político-partidárias e administrativas nos diferentes regiões do país.

Temos, então, um Brasil desigual no que tange ao acesso aos serviços e insumos já disponíveis para os portadores de anemia falciforme. Resultado de um SUS estruturalmente inclusivo na sua intencionalidade teórica, mas extremamente excludente nas suas práticas.

O que explica a permanência de altas taxas de mortalidade infantil em determinadas regiões, principalmente entre crianças negras.

Por isso, a cada 19 de junho, queremos chamar a atenção dos gestores públicos e operadores do direito para essas desigualdades no acesso aos serviços de saúde, mesmo diante de direitos já conquistados pelas organizações que lutam no combate à mortalidade por anemia falciforme.

Somos assim solidários com todas as instituições que atuam no mundo em um esforço coletivo na defesa da vida e na luta contra discriminação e o racismo institucional.

BERENICE ASSUMPÇÃO KIKUCHI, doutoranda em Saúde e Desenvolvimento na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, é empreendedora social da Rede Folha


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