Folha de S. Paulo


Brasil 27: Caso 100% Amazônia

"Quando se nasce rodeado de riqueza, não se percebe o que está ao seu redor. Eu mesma tive que sair do Brasil para poder aprender a ver o Brasil."

A trajetória de Fernanda Stefani, 45, mostra que, muitas vezes, é mais fácil conhecer o Brasil por meio de olhos estrangeiros. Após morar oito anos na Áustria, onde estudou ciências comerciais e depois se especializou em inteligência comercial e comércio exterior, ela voltou ao Brasil e passou a trabalhar em uma multinacional norte-americana que comercializa produtos à base de açaí. Assim, teve seu primeiro contato com a Amazônia e toda sua riqueza.

"Ouço muita gente reclamar que os estrangeiros estão explorando a Amazônia, mas eu pergunto: o que nós estamos fazendo para conservar a floresta e aproveitar o seu potencial econômico e biológico de forma sustentável?"

Com a experiência adquirida, Stefani resolveu fazer algo a respeito e, junto com a administradora de empresas Joziane Alves, 50, fundou a 100% Amazônia, empresa especializada em desenvolver e exportar ingredientes feitos com produtos florestais não madeireiros.

"A 100% Amazônia conecta produtores locais da Amazônia com clientes estrangeiros interessados em seus produtos", resume Alves. A empresa garante um preço justo aos produtores e gerencia a logística de exportação para os clientes.

A 100% Amazônia trabalha com uma ampla variedade de produtos da floresta, tendo o açaí como carro-chefe -responsável por cerca de 60% de seu faturamento. "Do açaí, aproveita-se tudo: a semente pode ser usada no artesanato e também para a geração de energia, a polpa é usada na indústria alimentícia, e a raiz, na farmacêutica", explica Alves. "E o melhor de tudo é que o açaizeiro produz mais quando em floresta nativa. Assim, a extração do açaí ajuda a preservar a floresta."

Essa "super-fruta" -forma como Stefani gosta de adjetivar o açaí- tem despertado forte interesse do mundo: a empresa já atendeu a mais de 300 clientes de 25 países. Toda essa procura é refletida também em resultados financeiros. Desde seu primeiro ano, a 100% Amazônia dobra seu faturamento todo ano.

E qual o segredo desse sucesso? Alcance geográfico e intimidade com o cliente.

Além de atender aos mercados tradicionais de exportação (Estados Unidos, Europa Ocidental e China), a 100% Amazônia chega também a mercados não tradicionais, como Polônia, Romênia, Filipinas, Malásia, Nova Zelândia, Paquistão e Qatar.

No entanto, atender a esses mercados traz desafios logísticos significativos, uma vez que, em geral, os pedidos vindos são pequenos para um modelo de exportação tradicional. Por isso a 100% Amazônia desenvolveu uma série de parcerias com operadores logísticos que lhe permite entregar remessas com menos de 100 quilos na porta do cliente "em qualquer lugar do mundo".

Mas a 100% vai além de colocar o produto na porta do cliente em quantidades pequenas. Sua estratégia comercial busca entender a realidade do cliente, o que inclui decifrar as normas de importação do país de destino, pesquisar sabores locais que possam tornar os sabores das frutas amazônicas mais familiares ao paladar local e criar serviços de suporte à comercialização dos produtos -como, por exemplo, a elaboração de peças publicitárias com cenas e imagens originais da Amazônia. "Nosso slogan é 'the one-stop shop for amazon products' (a solução completa em produtos da Amazônia')", explica Stefani.

Evidentemente, todos esses serviços apenas são viáveis porque os clientes enxergam neles valor suficiente para pagar um preço "premium" pelo produto. Essa percepção de valor é reforçada pelo relacionamento da 100% Amazônia com seus clientes.

"Nossa base de clientes é composta principalmente de pequenas empresas e por isso geralmente falamos com o dono da empresa cliente e não com um comprador que muda de tempos em tempos. Assim, conseguimos estabelecer uma relação transparente e de confiança com eles", explica Stefani.

Isso é possível mesmo com a maior parte das interações hoje acontecendo pela Internet. "Se a internet deixar de existir amanhã, a 100% também deixaria de existir", brinca a empreendedora.

Além do grande desafio logístico, a 100% Amazônia também tem de casar demanda e suprimento. De um lado, há questões como sazonalidade e modismos de consumo por parte do mercado cliente. Do outro, há o ritmo natural da produção do açaí silvestre e a dinâmica própria de trabalho de cada região produtora.

"É importante trabalhar a responsabilidade por toda a cadeia: do produtor, para que respeite os compromissos assumidos, e do cliente, para que entenda que uma produção sustentável tem seus limites naturais e sociais", afirma Stefani.

Entretanto, nem sempre é possível casar o ritmo de produção com o de consumo. Nesses casos, por não trabalhar diretamente no desenvolvimento da capacidade produtiva dos fornecedores primários de muitos de seus produtos, a 100% dispõe de três ferramentas: agregar novos fornecedores, aumentar a janela de entrega ao cliente e oferecer, como alternativa, outros produtos do portfólio da empresa.

Em grande parte, o trabalho da 100% Amazônia é revelar ao mundo as riquezas da floresta e de mudar o modo como ela é vista. De um lado, mostrando aos produtores locais que é possível ganhar mais com a floresta em pé do que derrubada. De outro, garantindo um fornecimento confiável a clientes que não conhecem a realidade local e fazê-los entender que cada um tem seu ritmo e é preciso aceitar isso. Como bem sumariza Stefani, "a 100% é a tradutora da Amazônia".

Iniciativa conjunta dos jovens Fabio Serconek e Pedro Henrique G. Vitoriano com o Ceats (Centro de Empreendedorismo e Administração em Terceiro Setor da Universidade de São Paulo) o Brasil 27 está visitando todos os Estados brasileiros para estudar, em cada um deles, um exemplo de negócio social. O projeto conta com o apoio do ICE (Instituto de Cidadania Empresarial), das fundações Avina e Rockefeller, e da Rede Omidyar.

Os registros da jornada ficarão disponíveis no blog do projeto e serão publicados aqui, semanalmente, no Empreendedor Social.

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