Folha de S. Paulo


Os desafios de um negócio social

Há um famoso mantra do mundo de negócios que diz que "se você não está tendo lucro, o que você faz não passa de um hobby". Entretanto, para uma nova geração de empreendedores, gerar resultado financeiro não é suficiente. Esses empreendedores vêm criando empresas que, além de lucrativas, têm como objetivo principal gerar impacto socioambiental positivo. São conhecidas como negócios sociais e vêm formando um novo setor, por muitos chamado de "Setor 2.5".

Empreendedores de negócios sociais buscam autonomia financeira mediante a venda de produtos e/ou serviços oferecidos ao mercado, da mesma forma que empresas tradicionais do setor privado (o segundo setor). Entretanto, para esses empreendedores, o lucro só se justifica à medida em que seu negócio transforma a sociedade para melhor, de modo semelhante às organizações não governamentais (o terceiro setor).

Para essas pessoas, o uso do mecanismo de mercado para fins sociais é uma combinação com potencial para quebrar paradigmas antigos do capitalismo. Mas, como toda nova e promissora ideia, a prática dos negócios sociais traz desafios e escolhas difíceis que exigem bastante criatividade de seus empreendedores.

O caso da Sementes de Paz é ilustrativo. É uma distribuidora de alimentos orgânicos sediada em São Paulo que tem como grande propósito fortalecer a cadeia produtiva desses produtos por meio do comércio justo, compensando todos os elos do processo de maneira mais justa, distribuindo melhor as riquezas geradas pela cadeia de suprimentos e promovendo o desenvolvimento sustentável.

Fundada como organização sem fins lucrativos, hoje é um negócio social que pensa grande: busca tornar a alimentação orgânica acessível a todos, desafiando o modelo tradicional de distribuição de alimentos.

O principal desafio da Sementes de Paz é fornecer produtos de qualidade e com confiabilidade de entrega a seus clientes, ao mesmo tempo em que respeita a sazonalidade natural dos alimentos e seus aspectos naturais.

Diogo Tolezano, um dos sócios da empresa, exemplifica esse desafio: "Muita gente está acostumada a comprar morangos grandes o ano todo. Isso só é possível com o uso intenso de agrotóxicos. Quando apresentamos o morango orgânico, que tem uma aparência mais rústica, as pessoas acham que se trata de um produto de pior qualidade, quando é exatamente o contrário".

Em seu dia a dia, a Sementes também é desafiada a equilibrar o respeito, o ritmo de produção dos agricultores e o compromisso com os clientes: "Há uma linha tênue entre ser paternalista com o produtor e respeitar seu ritmo de produção. Ele também precisa entender que o cliente tem suas exigências de qualidade e prazo".

Segundo Tolezano, a união das características dos dois setores pode trazer desafios extras aos negócios socioambientais e que exigem bastante criatividade para serem superados. A Sementes, por exemplo, vem considerando uma série de opções estratégicas para expandir suas operações e reforçar seu desempenho financeiro e tem encontrado escolhas difíceis pelo caminho. Uma delas é expandir seu portfólio para produtos não orgânicos e ao mesmo tempo manter a escala do seu impacto socioambiental.

Um exemplo da criatividade que os empreendedores sociais usam para superar seus desafios vem da própria Sementes de Paz. A empresa identificou a oportunidade de utilizar sua capacidade de armazenagem e distribuição para oferecer serviços logísticos a outras empresas - uma atividade não relacionada à sua missão, mas também não conflitante a ela.

Por fim, outro desafio vivido pela Sementes é diminuir as altas taxas de desperdício na cadeia de suprimentos de alimentos "in natura", já que de 20 a 30% do preço final do produto correspondem a desperdícios. O que torna esse desafio especial é o fato de a empresa trabalhar com produtos que não contam com a proteção química dos agrotóxicos. E é vislumbrando a solução desse desafio que o empreendedor exemplifica o grande potencial dos negócios sociais: "Diminuindo as perdas da cadeia e aplicando técnicas orgânicas mais eficazes, a produção de alimentos orgânicos poderia suprir a demanda atual por alimentos".

É notável que o setor 2.5 vem atraindo cada vez mais empreendedores em busca de um trabalho recompensador pessoal, social e financeiramente. Entretanto, há um fator adicional que também é parte essencial do combustível que move os empreendedores socioambientais: o desafio.

De fato, não existem caminhos demarcados a serem seguidos pelos negócios sociais. A realidade e as experiências de cada negócio certamente irão trazer questões e dilemas únicos a cada organização. No caso da Sementes, esses desafios incluem questões sociais, ambientais e econômicas que poderiam ser sumarizadas com a pergunta: "Como não perder nossa essência, produzir com qualidade e gerar fluxo de caixa?".

A pergunta é difícil de ser respondida e muitos desistiriam logo de início. Empreendedores sociais como Tolezano, no entanto, toparam o desafio e vêm respondendo essa e outras difíceis perguntas diariamente.

Iniciativa conjunta dos jovens Fabio Serconek e Pedro Henrique G. Vitoriano com o Ceats (Centro de Empreendedorismo e Administração em Terceiro Setor da Universidade de São Paulo), o Brasil 27 está visitando todos os Estados brasileiros para estudar, em cada um deles, um exemplo de negócio social. O projeto conta com o apoio do ICE (Instituto de Cidadania Empresarial), das fundações Avina e Rockefeller, e da Rede Omidyar.

Os registros da jornada ficarão disponíveis no blog do projeto e serão publicados aqui, semanalmente, no Empreendedor Social.

Eduardo Gusmão, Elisa Utino, Fabio Serconek, Guilherme Ralisch, Lyzandra Mayra, Michel Porcino e Pedro Henrique Vitoriano


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