Folha de S. Paulo


Brasil27: caso Bio Fair Trade

O artesanato brasileiro é um dos mais ricos do mundo e garante o sustento de várias famílias no país. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), existem no Brasil cerca de 8,5 milhões de artesãos, que movimentam mais de R$ 50 bilhões por ano.

Porém, por se caracterizar como produção familiar de pequeno volume, os artesãos encontram grandes dificuldades para a comercialização de seus produtos. Por isso, muitas vezes, acabam não sendo justamente remunerados pelo trabalho.

Com o intuito de valorizar o trabalho dos artesãos de maneira justa e dar acesso ao mercado e auxiliar no desenvolvimento de novos produtos, dois empreendedores sociais criaram a Bio Fair Trade, em dezembro de 2007.

A história da empresa teve início em 2001, quando Fabiana Dumont, 39, formada em administração com especialização em comércio exterior, foi chamada para trabalhar em um projeto de comércio justo da ONG Visão Mundial, como responsável por estruturar a área de artesanato.

Durante este período, Dumont conheceu Márcio Waked, 45, professor, empresário das áreas de tecnologia da informação e saúde, mestre em gestão de desenvolvimento local sustentável e presidente da ONG Casa da Esperança, que tinha se apaixonado pelo comércio justo e estava determinado a criar uma empresa que trabalhasse com tal conceito.

Em 2007, o projeto em que Fabiana atuava na Visão Mundial foi redimensionado. Ao longo desse período de trabalho, foi desenvolvido um forte relacionamento comercial com um cliente holandês -Barbosa do Brasil-, que tinha grande interesse em continuar comprando o artesanato brasileiro, mesmo com o redirecionamento do projeto. Isso, somado ao medo de que os artesãos ficassem sem assistência, levou à fundação da Bio Fair Trade, uma sociedade entre Fabiana e Márcio.

Mariana Andrade

"Já existiam iniciativas para inserir os produtos no mercado, mas de forma incompleta. Era necessário entender os grupos de artesãos e a demanda do mercado", afirma Waked.

Assim, a Bio Fair Trade tem seu diferencial no desenvolvimento de um trabalho amplo, voltado para toda a cadeia de consumo, de uma ponta a outra, desde os artesãos até o mercado consumidor.

Fornece treinamentos, assessoria de design para criação de novos produtos de acordo com as tendências do mercado, consultoria logística, exportação e até comercialização dos produtos.

Além disso, há um trabalho cuidadoso na gestão da qualidade e pontualidade da entrega dos artesanatos, elevando o nível do serviço para um patamar raramente encontrado nesse mercado.

A Bio Fair Trade comercializa somente para grandes varejistas e não para os consumidores finais, funcionando como um elo de comunicação entre as redes e os artesãos.

Os compradores pesquisam as tendências de mercado e fornecem esses "inputs" ou, até mesmo, o design final dos produtos à Bio Fair Trade. Esta, por sua vez, auxilia no desenvolvimento de novos produtos, quando necessário, e busca os grupos de artesãos com as habilidades necessárias para a produção solicitada.

Dessa maneira, os artesãos iniciam a produção sob demanda, já com a certeza da compra, contrariando a lógica convencional, em que os produtos são produzidos para estoque e, só posteriormente, busca-se a comercialização.

Além de ter uma missão social bem clara de melhorar a vida dos artesãos por meio do aumento de suas rendas, a busca da Bio Fair Trade pelo retorno financeiro também é forte. "Desde o início, nossa ideia era ser uma empresa social e lucrativa ao mesmo tempo", ressalta Waked.

A empresa atingiu este objetivo desde o primeiro ano de funcionamento. Parte do lucro é reinvestido, parte é dividido entre os sócios e outra parte é doada para a ONG Casa da Esperança - que cuida de 128 crianças com idades entre 6 meses e 12 anos.

Um dos segredos para esse sucesso é a escolha por uma estrutura organizacional extremamente enxuta e "projetizada". Atualmente, há apenas quatro funcionários fixos na empresa --dois sócios, um assessor financeiro e um designer. Os demais são subcontratados de acordo com a demanda de cada projeto desenvolvido, podendo chegar até a 40 funcionários, ao todo.

Hoje, estima-se que mais de 1.500 artesãos foram beneficiados diretamente pela Bio Fair Trade nos Estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Segundo os fundadores, o impacto social causado vai muito além do aumento de renda dos grupos. O aumento da autoestima é visível quando os artesãos veem seus produtos em cartazes e sendo vendidos na Europa. É essa felicidade que, para os sócios, faz valer a pena todo o trabalho da empresa.

O plano da Bio Fair Trade para o futuro é crescer de forma que, em um curto espaço de tempo, ela possa impactar o maior número de pessoas.

Atualmente, 70% do faturamento da empresa provêm da exportação dos artesanatos para a Europa. Porém o intuito é cada vez mais aumentar as vendas no mercado interno e disseminar a cultura do comércio justo no Brasil.

Um dos grandes desafios para esse crescimento é a "falta de fôlego" para o desenvolvimento de novos mercados. Mas o apoio de um acelerador de negócios sociais anunciado recentemente é a esperança para sobrepor este obstáculo nos próximos anos.

Iniciativa dos jovens Fabio Serconek e Pedro Henrique G. Vitoriano e com apoio do Centro de Empreendedorismo e Administração em Terceiro Setor (CEATS) da Universidade de São Paulo (USP), o Projeto Brasil 27 está visitando todos os Estados brasileiros para estudar, em cada um deles, um exemplo de negócio social. Os registros da jornada ficarão disponíveis no blog do projeto e serão publicados aqui, semanalmente, no Empreendedor Social.

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