Folha de S. Paulo


Passagens

"Somos todos responsáveis por tudo, diante de todos." Dostoievsky

Creio que a singularidade do movimento popular que toma conta das ruas no Brasil, como depreendo do que todo nós assistimos no país, não pode ser traduzido nem teorizado pelas lógicas que construímos habitualmente na análise sociopolítica.

Tem algo de simples e belo, revelado pelo povo brasileiro e em especial pelos jovens do nosso país, que escapa à sistemática construída pela lógica da visão acostumada.

No ano passado, durante os fóruns de educação Movimento Dia E, que realizamos na Chapada Diamantina (BA), em pleno momento das eleições municipais, um menino de 9 anos, de Boa Vista do Tupim, ao reivindicar seus direitos, disse: "Eu não estou aqui de brincadeira. Nossa escola precisa de muitas coisas, e nós queremos as coisas certas e corrigidas".

Para termos as "coisas certas e corrigidas", não bastará a vontade política dos nossos governantes (que anda muito "esmurecida"). Será preciso ter o país e a educação em nossas mãos.

Cybele Oliveira
Kailane, 2, escreve história
Kailane, 2, escreve história

Será preciso acordar todos os dias com a certeza de que somos Brasil.

Será preciso não nos escondermos nos tecidos esgaçados de nossos poderes inflados (e vazios) da necessidade de sermos os salvadores de alguém ou de algum lugar.

Será preciso entender e viver uma autogestão cooperada e colaborativa.

E é preciso ter humildade (como em Spinoza: "Tristeza nascida do fato de o homem considerar sua impotência ou sua fraqueza") para entender as passagens. Que podem significar travessias e um passe livre com cadências de possibilidades e eficiência. Ainda assim será preciso muito esforço, concentração e escuta para compreender nosso movimento.

Ao contrário dos que temem, o diálogo propositivo, escutar e agir na elaboração de alternativas conjuntas, e esforçar-se na direção das "coisas certas", é caminho sustentável que enraíza e promove crescimento e progresso.

A emergência de novos tempos já é patente, já não há como voltar e ou seguir com as velhas formas estabelecidas. E as velhas formas nos dizem de um sistema onde os políticos profissionais não mais se relacionam com as pessoas, com os eleitores, e sim com as agrupações às quais devem suas eleições -empresas, partidos, grupos de interesse.

Mais do que quaisquer passagens mais baratas, o que diz o povo é que não quer mais ser no mínimo manipulado e no comum esquecido.

Como seguem nos ensinando os jovens do Movimento do Passe Livre na carta escrita a presidência: "Mais do que sentar à mesa e conversar, o que importa é atender às demandas claras que já estão colocadas pelos movimentos sociais de todo o país".

CYBELE OLIVEIRA, 45, pedagoga e fundadora do Icep (Instituto Chapada de Educação e Pesquisa), foi eleita Empreendedora Social 2012


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