Folha de S. Paulo


Um tsunami de violências

Espalham-se pelo Brasil afora muitas manifestações da sociedade civil, em grande parte, motivadas por estudantes.

São manifestações legítimas do sentimento de muitas pessoas em relação a muitas injustiças que têm se acumulado na pequena trajetória da democracia, mas, também, conservadas a partir da péssima herança do período da ditadura, onde as pessoas não podiam manifestar seus sentimentos, mesmo com seus direitos ameaçados.

Que bom que muitas manifestações têm conseguido repassar o sentimento de revolta sem usar a agressividade. Falo da importância de terem conseguido manter a serenidade porque avalio que não é fácil ser tratado com injustiça, com violência, e reagir com calma.

É muito fácil avaliar a situação que o outro viveu. Mas muito difícil é viver uma realidade de injustiça e conseguir manter-se de forma serena, dialogando, propondo caminhos para superar os equívocos percebidos.

Em todos esses processos, não se pode desconsiderar a possibilidade de infiltração de pessoas com segundas intenções que mergulham nas manifestações provocando e desenvolvendo atitudes consideradas agressivas ao patrimônio público e privado, talvez até com a intenção de desestabilizar o governo, sobretudo federal, com a estratégia de quanto pior, quanto mais frágil melhor para derrubar.

Mas, por outro lado, é importante levantar a seguinte reflexão: fala-se da violência dos vândalos, mas, talvez não se tenha parado para refletir sobre a real violência que acontece:

- quando um professor é pessimamente renumerado para dar aula em uma escola sem infraestrutura minimamente necessária para uma boa educação;

- quando uma mãe está com seu filho na fila de um hospital esperando ser atendida com urgência e não consegue por falta ou poucos médicos contratados;

- quando um idoso necessitando de medicamentos ou tratamento não consegue e termina morrendo; quando pessoas quase são atropeladas para pegar um transporte público de péssima qualidade;

- quando um deputado ganha um salário significativo e ainda tem muitos auxílios, e um trabalhador mal consegue pagar o aluguel e as conta de energia e água, restando-lhe quase nada para alimentar a família;

- quando os nordestinos estão passando por situações críticas, em decorrência da estiagem prolongada, muitas cidades as vésperas de um colapso de abastecimento, algumas até já o estão vivendo, e a obra da transposição das água do rio são Francisco, anunciada e iniciada como caminho para a redenção da população não teve nem está tendo a mesma rapidez e prioridade que estão tendo as obras da Copa. Aqui destaco que não se trata de ser contra a Copa, mas de perceber a importância de assegurar investimentos, em quantidade e no momento certo, nas necessidades estratégicas e prioritárias para a qualidade de vida das populações, principalmente daquelas mais sofridas, que se encontram praticamente à margem do processo desenvolvimento.

Além disso, há muita corrupção com o dinheiro público, cujo resultado é o aumento das desigualdades sociais.

Será que isso não significa uma grande violência e nós não estamos vendo porque quem o está praticando são as autoridades, muitas das vezes se acobertando, estrategicamente, pela própria Constituição e emendas aprovadas pelo Congresso?

Avalio que tudo isso, na verdade, foi e se constitui um grande tsunami de violência contra as pessoas.
Muitas agora estão se colocando, estão botando para fora seus sentimentos, buscando chamar a atenção para a necessidade de adoção de novos caminhos, para outras formas de enxergar as pessoas e suas necessidades.

Sem dúvida umas estão fazendo com mais indignação, gerando novas formas de violências. E violência gera violência, algo não saudável para a qualidade de vida tão almejada pelas populações.

Compreendo como importantes e legítimas as manifestações que estão ocorrendo pelo Brasil afora, mas acredito que a serenidade, o diálogo e sobretudo a paz devam ser os elementos principais para nortear os caminhos de construção da sociedade que queremos!

Por isso, embora reconheça o desafio que é, desejo a todos muita força e muita coragem para continuarem firmes expressando seus sentimentos de forma serena, dialogando e, acima de tudo, propondo ideias novas e impulsionando a bandeira da paz.

LEIA TAMBÉM: A cisterna como instrumento pedagógico

JOSE DIAS CAMPOS, economista e fundador do CEPFS, é integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais..


Endereço da página:

Links no texto: