Folha de S. Paulo


A cisterna como instrumento pedagógico

A cisterna de placa, reservatório capaz de armazenar 16 mil litros de água de chuva, suficiente para uma família com cinco pessoas usar para beber, escovar os dentes e cozinhar por um período de até oito meses de estiagem, tem se constituído uma ferramenta importantíssima de adaptação aos efeitos das estiagens prolongadas (secas).

De acordo com depoimentos das famílias, hoje quem tem uma cisterna tem um tesouro muito importante no oitão da casa. Chovendo, ela capta água. Quando não chove, o reservatório serve para armazenar água vinda de outras localidades.

Aqui, sem dúvida, reside toda a importância da cisterna, algo que podemos denominar de empoderamento da família para enfrentar as conseqüências da estiagem, seja através da estratégia de captar água da chuva ou armazenando a partir de outras fontes.

Conforme as famílias, antes das cisternas, as mulheres, principalmente, viviam situações de muito sofrimento. Tinham que percorrer longas distâncias para pegar água de péssima qualidade em cacimbas, barreiros de açudes, olhos d'água etc.

Elas destacam que, muitas vezes, depois de percorrer 10 a 15 quilômetros a pé, ao chegar nos reservatórios o guará, espécie de lobo da região, havia feito xixi. Naquele dia, ficavam sem água!

Hoje, as famílias que tem cisternas, mesmo quando não chove, reivindicam um carro-pipa de água aos gestores públicos ou compram, fazendo economias a partir das bolsas sociais distribuídas pelo governo federal e, assim, estão tendo acesso a água de melhor qualidade.

Constata-se, portanto, que, a partir de processos educativos trabalhados por muitas organizações da sociedade civil, dentre elas o Centro de Educação Popular e Formação Social (CEPFS), as famílias do semiárido estão despertando para importantes aprendizados que podem ter com a própria natureza.

Um exemplo desse aprendizado é a estratégia de captar água de chuva para o consumo humano. Essa lição é dada pelo mandacaru, planta típica do semiárido que capta água e armazena para se manter no período que não tem chuva.

Nesse contexto, percebe-se que é de grande importância apoiar iniciativas que possam assegurar a construção de cisternas como ferramentas que, além de perimir melhor acesso a água a famílias do semiárido, também assume um papel como instrumento pedagógico.

Elas são capazes de gerar um despertar nas famílias para o desenvolvimento de outras iniciativas no âmbito dos recursos hídricos, a partir das potencialidades existentes nas propriedades. A construção de barragens subterrâneas, tanques em pedras, barreiros trincheiras, barraginhas e cisternas de enxurrada ampliam a oferta de água para outras necessidades das famílias, no horizonte de atingir, a longo prazo, a segurança hídrica das propriedades da agricultura familiar, aspecto de grande relevância para a adaptação das famílias em relação as conseqüências aos impactos das mudanças climáticas no semiárido brasileiro.

Isso significa dizer que as famílias não podem e nem deve compreender que, com uma cisterna com capacidade de armazenar 16 mil litros de água de chuva, já estão com condições suficientes para enfrentar a seca.

É necessário planejar outras iniciativas, outras tecnologias sociais de captação e manejo de água de chuva, a partir das potencialidades naturais de cada localidade, para ampliar a estocagem de água necessária.

Evidentemente a primeira água, a partir da primeira cisterna, é de grande importância, não só pela água em si, mas pela consciência que ela promove na vida das famílias.
É com esse enfoque que o CEPFS lançou a campanha Juntos pelo Seminário. Conheça mais em no site

JOSE DIAS CAMPOS, economista e fundador do CEPFS, é integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.


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