Folha de S. Paulo


Jovens buscam soluções para cadeias lotadas e crise de representatividade

No escritório da Mastertech na avenida Paulista, 50 jovens latino-americanos discutiam, na sexta-feira (16), ideias para superar o encarceramento em massa no Brasil, após sentir como é estar numa cela superlotada por meio de um óculos de realidade virtual.

A poucos metros, na Câmara Municipal de São Paulo, um outro grupo com 34 pessoas simulava a criação de partidos e projetos de lei para driblar a crise de representatividade e impulsionar a participação democrática dos cidadãos.

Os dois "learning journeys" fizeram parte da programação do Shape Latam 2018, evento paralelo ao Fórum Econômico Mundial para América Latina realizado pelo Global Shapers, organização irmã do fórum que reúne jovens com espírito de liderança.

Ambos os encontros foram pautados pela ideia de que a 4ª Revolução Industrial, por meio da tecnologia, pode facilitar a criação de soluções para as desigualdades e a falta de acesso.

SISTEMA CARCERÁRIO

Protagonista no vídeo da cela superlotada, Emerson Ferreira, 29, contou aos "shapers" como a desigualdade educacional e a falta de oportunidade o fizeram escolher o crime e ser preso, em 2008.

"O mundo mudou, a tecnologia mudou, mas a educação continua a mesma. As salas de aula não mudaram, principalmente as da periferia", disse Emerson. "Como resultado, hoje o Brasil é o terceiro no ranking dos países com maior número de pessoas presas no mundo."

Ao deixar o sistema carcerário, ele se formou em psicologia e, ano passado, criou o Reflexões da Liberdade, negócio social que quer impedir, por meio da educação, que crianças e jovens pobres escolham a criminalidade.

Já os três projetos escolhidos ao final do encontro para serem prototipados atacam problemas dos que já estão presos.

Um deles quer solucionar a falta de clareza dos longos processos judiciais. A ideia é dar celeridade aos dados criando uma linha do tempo online com o prazo médio para os julgamentos. A ideia é que, assim, os juízes consigam trabalhar mais rápido.

"O presidiário também terá acesso à linha do tempo e conseguirá acompanhar, por exemplo, se tem direito à progressão de pena. Hoje, mais de 300 mil presos deveriam estar soltos e nem sabem", explica o brasiliense Samuel Estrela, 30, um dos criadores do projeto.

Outra proposta, da ecovila prisional, pretende dar salubridade aos presídios, com a instalação de horta sustentável, composteira, granja, cozinha comunitária e jardim vertical para diminuir a temperatura interna do local.

O terceiro é uma plataforma virtual para que, depois de solto, o preso se reintegre à sociedade. "Voluntários ou empresas poderão oferecer apoio psicológico, jurídico, educacional, financeiro, além de ajuda médica e oportunidade de trabalho. E o ex-presidiário poderá buscar essa ajuda online", explicou Paulo Augusto, 27, de Fortaleza.

DEMOCRACIA DIGITAL

O uso de tecnologia também foi a saída encontrada pelos "shapers" no plenário da Câmara Municipal. Desta vez, para aumentar a participação popular nas decisões políticas.

Das quatro soluções apresentadas pelos jovens, duas foram aprovadas em votação simulada e servirão de base para um projeto de lei do mandato da vereadora Janaína Lima (Novo), também parte do Global Shapers e presente no encontro.

"Até ontem eu estava sozinha ocupando a cadeira deste parlamento, mas agora somos muitos jovens latino-americanos influenciando a maior casa legislativa da América Latina", disse.

A proposta mais votada, do partido Juventude Conectada, quer aumentar a consciência política em crianças de seis a 12 anos e formar adolescentes líderes em cada escola para cobrar melhorias do poder público, num parlamento online.

"Sabemos que o conhecimento dado às crianças tem repercussão ao longo de toda a sua vida. Então, a melhor forma de se ter bons líderes é através da educação", disse uma das criadoras, a mexicana Anahí Marin Lopez, 29.

A segunda, do Partido Conexão, pretende criar, com o auxílio das redes sociais, fóruns de estudantes para que conheçam seus direitos e deveres e se sintam confortáveis em participar de iniciativas políticas, inclusive na câmara legislativa.

Para a vereadora, quem esteve no encontro votará de forma diferente nas próximas eleições. "Eles vivenciaram o que é a vida do parlamentar e o quanto suas decisões podem impactar a cidade, o estado e o país."

Essa vivência é ainda fundamental para entender a crise de representatividade, segundo o presidente da sessão e da Escola do Parlamento da Câmara, Humberto Dantas.

"Os placares mostraram que os combinados com os líderes do partido foram cumpridos com maiorias confortáveis. O que nos falta para aceitarmos a ideia de que casas coletivas são capazes de representar grandes coletivos?", questionou.


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