Folha de S. Paulo


ONG distribui 17 mil óculos a pessoas sem acesso no interior de 19 Estados

Foi em 2014, após descobrir que cerca de 42 milhões de pessoas no Brasil precisam de óculos e não sabem disso –ou sabem mas não têm condições de comprá-los–, que Ralf Toenjes, 26, decidiu criar, com dois colegas do Insper, a Renovatio.

Nesses três anos de existência, a ONG finalista do Prêmio Empreendedor Social 2017 distribuiu gratuitamente mais de 17 mil pares de óculos nos seus mutirões e realizou mais de 8.000 consultas em 19 Estados.

Cerca de cem oftalmologistas e mil pessoas trabalharam como voluntários nessas ações.

Renovatio

Kaíque Vaz de Arruda, 10, que mora em Carapicuíba (SP) e tem 4,5 graus de miopia, está entre os estudantes beneficiados pelos mutirões da Renovatio.

"Quando levamos nosso filho ao oftalmologista, ele constatou a deficiência visual. Mas eu estou desempregado, e os óculos custariam entre R$ 400 e R$ 500. Para quem está numa situação como a nossa, a Renovatio ajuda bastante", diz Fábio Augusto Vaz de Arruda, 38, pai do aluno do 4° ano do Ensino Fundamental em um colégio público da região "Muitas crianças acabam sendo prejudicadas na escola por problemas na visão."

E o pai de Kaíque tem razão. Estudo do programa Alfabetização Solidária, do Ministério da Educação, mostra que quase 23% dos casos de evasão escolar no Brasil estão relacionados a problemas de visão do aluno.

Atacar esta causa é um desafio ainda mais complexo pelo fato de 85% dos municípios brasileiros não contarem com atendimento oftalmológico regular. Os mutirões da Renovatio são, portanto, fundamentais para minimizar tal carência estrutural.

FELICIDADE NO OLHAR

A oftalmologista Bruna Gil Ferreira, 26, é voluntária em mutirões da ONG e já foi duas vezes ao Amazonas. Na última visita, ela passou um dia em Manacapuru, no repartimento de Tuiué (AM), comunidade que fica no alto Solimões, a quatro horas de barco da cidade mais próxima, e não dispõe de atendimento médico.

"É muito importante esse trabalho de chegar a populações que não teriam acesso a esse tratamento se a gente não viesse aqui", diz a médica voluntária.

"Você vê a felicidade da pessoa de colocar um par de óculos. Uma coisa que parece tão simples, que a gente monta em 30 segundos, e de repente muda completamente a vida de alguém."

Alcimara Maciel, 36, foi uma das pessoas atendidas na comunidade do Amazonas. "Eu tinha problema de vista, mas não tinha condições para fazer um exame. Então me indicaram a Renovatio."

Na primeira consulta, foram ela e mais cinco parentes, todos com algum tipo de problema de visão: o pai, a mãe, o marido e duas irmãs. "Assim como a minha, muitas famílias não têm como ir a um médico para fazer exame."

Alcimara agradeceu o atendimento da Renovatio, convidando a equipe de voluntários para almoçar na sua casa. "Toda a comunidade vai ter uma vida melhor daqui para a frente. Ter os médicos pela primeira vez aqui é um sonho realizado", diz a amazonense.

UNIR FORÇAS

No mundo todo, cerca de 680 milhões de pessoas –quase 10% da população mundial– precisam de um par de óculos mas não podem pagar por ele.

Com essas informações em mãos, Toenjes decidiu que era preciso agir e se inspirou no projeto alemão OneDollarGlasses, que produz óculos a preços baixíssimos para populações de baixa renda e atua principalmente na África.

De forma bem simplificada, os óculos são um fio de aço moldado para receber a lente e se encaixar no rosto do paciente. As lentes vêm da China, o aço, da Coreia do Sul, e a borracha hipoalergênica que reveste o aço é produzida na França.

Atualmente, porém, a ONG está mais focada na distribuição, por isso 70% dos óculos doados no Brasil vêm da OneDollarGlasses na Bolívia.

A Renovatio também montou um ônibus com dois consultórios oftalmológicos para fazer atendimentos.

O programa sempre foi financiado por doações de pessoas jurídicas, principalmente, e físicas. Mas, em março do ano passado, durante uma conversa com Martin Aufmuth, fundador da OneDollarGlasses, Toenjes se impôs como meta distribuir 1 milhão de óculos até 2021.

"Precisaríamos de R$ 150 milhões em doações em cinco anos. Seria praticamente impossível", afirma ele, diante do fato de em três anos terem feito um esforço enorme para captar 1,5 milhão. "O que já foi muito", pontua.

Foi aí que ele resolveu criar o modelo de negócio VerBem, que se estrutura como óticas populares com produtos que variam de R$ 39 a R$ 79, para chegar à escala de 1 milhão de beneficiários.

Cada par de óculos vendido vai ajudar a financiar um segundo, a ser doado nos mutirões.

"A Renovatio, com os mutirões, continua com força total, mas, para crescermos rapidamente, não podemos ter apenas as doações", explica o jovem empreendedor. "A VerBem vai ajudar a tornar mais ágil esse processo. A Renovatio e a VerBem são complementares."

Uma ONG e um negócio de impacto social que juntos têm a missão de resolver um problema que afeta brasileiros de baixa renda.

"Ficamos apaixonados pela ideia, que nos pareceu uma das melhores equações: impacto versus volume de investimento", diz Denis Benchimol Minev, diretor do grupo Bemol e Fogás, um dos maiores do Amazonas, que decidiu investir na expansão da VerBem no Estado.

"Achamos que a VerBem e a Renovatio juntas podem ter um grande impacto no Amazonas e no Brasil", conclui.


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