Folha de S. Paulo


Delivery leva alimentação saudável para favelas em cinco Estados do país

Desde que entrou na faculdade, Edryanne Ferreira, 22, engordou 10 kg. Moradora da comunidade pesqueira Ilha de Deus, no Recife, ela passava o dia inteiro comendo "besteira".

"Era basicamente refrigerante, pastel, tapioca com ketchup, maionese, tudo dentro", conta a universitária.

Em sua casa, a salada era o básico: tomate, pepino, cebola e alface. Os hábitos de Edryanne mostram o que se passa na maioria das residências no país. Apenas 1 a cada 3 adultos brasileiros (35,2%) consome frutas e hortaliças cinco vezes na semana, segundo a pesquisa Vigitel 2016.

O número diminui ainda mais se for analisada a escolaridade. Entre 0 e 8 anos de estudo, 29% comem porções de saladas quase diariamente, como recomenda a OMS (Organização Mundial da Saúde).

Saladorama

De olho nessa população que tem pouco acesso a uma alimentação mais saudável, Hamilton Silva, 29, fundou o Saladorama em 2015 como um delivery de saladas para favelas no Rio de Janeiro.

Desde então, o projeto já chegou a outros quatro Estados, inclusive em Pernambuco e é um dos finalistas do Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2017.

A base foi sua própria experiência. Assim como Edryanne, ele cresceu em uma comunidade pobre, tinha na mesa apenas o básico, feijão com arroz e poucos verdes.

Somado a esse fator, há a falta de conhecimento de seu público-alvo. "As pessoas não têm o acesso de entender o benefício de cada alimento." Era o caso da dona de casa Juliete Mendes, 27, que comeu a primeira salada há dois anos quando descobriu o Saladorama no Facebook.

"À primeira vista, fiquei pensando se ia comer. Mas fui experimentando e adorei." Apenas modificando a alimentação, a moradora de Torrões, na periferia do Recife, emagreceu 15 kg e fez a irmã, a mãe e a filha se tornarem também clientes do delivery saudável.

MULTIPLICAÇÃO

Edryanne e Juliete fazem parte das mais de 200 mil pessoas alcançadas direta ou indiretamente pelo negócio social. Além dos clientes, o Saladorama realiza capacitações com os moradores das comunidades.

O ensino é voltado tanto para disseminar uma melhor alimentação como para fomentar o empreendedorismo. "A gente não mostra só como manusear ou melhorar os alimentos. Se quiserem abrir um negócio de alimentação, vamos juntos."

A inclusão também é uma das características do Saladorama. Não só ao levar uma alimentação que é vista como privilégio para áreas mais pobres, como de pessoas frequentemente marginalizadas pela sociedade.

Assim, em setembro de 2017, a primeira turma de capacitação para transexuais foi inaugurada no Recife. "A gente só é vista como marginal, prostituta", afirma Alexia de Oliveira, 37, universitária.

Segunda ela, os cursos são uma oportunidade de preparação para o mercado de trabalho e também para quebrar barreiras. "O preconceito é grande, mas a gente vai se qualificar."

FRANQUIAS

Na lógica de formar "parceiros de missão", as franquias do Saladorama são lideradas por pessoas das comunidades impactadas. No Recife, o restaurante é comandado por Jannaína da Silva, 36, que sustentava a família com faxinas e vendendo água no sinal até se tornar cozinheira, graças a uma formação com nutricionistas do Saladorama.

"Essa relação de capacitar uma comunidade, além de gerar renda, é um encadeamento muito interessante do negócio", afirma Eiran Sims, gerente de empreendedorismo do Cesar (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), que acelera o Saladorama. "A franquia é um modelo que capacita uma pessoa para ser o executivo que vai tocar o negócio sem ele [Hamilton] precisar arcar com tudo."

Além da mudança para uma alimentação mais saudável para a família inteira, que hoje prepara em casa até pratos sofisticados como ratatouille, a cozinheira se orgulha de trabalhar em um restaurante. "Fiquei muito emocionada [com o espaço todo montado]", relata a agora empreendedora. "No futuro, posso até abrir um negócio para vender na comunidade."

Esse movimento de moradores que veem na salada uma forma de ganhar dinheiro faz parte do legado que Hamilton quer deixar. "Aquela comunidade que só tinha cachorro-quente, batata frita, de repente começa a ter espaço natural, sacolão."

Em vez de se preocupar com a chegada da concorrência, o empreendedor social festejar a conquista de cada pedaço daquele território por mercadores da alimentação saudável como ele.


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