Folha de S. Paulo


Em meio a crises hídricas e má gestão, país discute agenda de Fórum da Água

A escassez de água potável, uma realidade tanto na imensidão amazônica quanto no semiárido nordestino e até na Capital da República, acende o sinal vermelho a nove meses do 8º Fórum Mundial da Água, que reunirá 40 mil participantes em Brasília em março de 2018.

A ameaça de uma crise hídrica, que já pairou sobre São Paulo e agora afeta cartões-postais como Olinda (PE), foi debatida no Water Summit, realizado entre 1 e 3 de julho como evento preparatório do fórum.

A bordo de um navio no trajeto entre Manaus e Parintins, reuniram-se representantes da iniciativa privada, da sociedade civil, ONGs e organismos internacionais, embalados pelas águas turvas dos rios Negro e Solimões, dois dos principais afluentes do Amazonas.

"Um cenário inspirador para uma agenda desafiadora, já que o Amazonas representa cerca de 80% da água doce disponível no Brasil e é uma região que tem apenas 10% de saneamento básico", afirmou Marina Grossi, diretora-executiva do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), logo no painel de abertura.

O CEBDS agrega 70 dos maiores grupos empresariais do país e se juntou ao Conselho Mundial da Água e à Coca-Cola Brasil para promover a série de debates com o objetivo de influenciar a pauta da oitava edição do maior evento global sobre a temática.

"Queremos criar uma agenda comum, ouvindo a sociedade civil, agricultores, políticos, líderes empresariais", ressaltou Karen Krchnak, diretora do Conselho Mundial da Água, plataforma global que promove o fórum a cada três anos.

Para o presidente da Coca-Cola Brasil, Henrique Braun, a prévia de discussões serviu para definir uma agenda entre diferentes vozes. "A água é crucial tanto para o nosso negócio quanto para o planeta. É tema prioritário para a indústria e para a cidadania. Por isso, acreditamos em um diálogo multissetorial para atingir soluções que são multidisciplinares."

Tarefa mais complexa diante da polarização e a crise político-institucional do país, que respingam na problemática da água.

"Temos de separar a agenda política da econômica", defendeu Hugo Flórez Timorán, representante do Brasil do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), ao participar do painel "Água para Sempre".

FÓRUM DO B

Movimentos sociais, sindicais e ambientais se articulam para realizar o Fórum Alternativo Mundial da Água em paralelo ao evento oficial em Brasília, com o tema "Água é direito, não mercadoria". Uma das bandeiras é se posicionar contra a privatização do sistema de saneamento no país.

Outros pontos polêmicos devem ocupar a agenda tanto do fórum oficial como o do alternativo. "Estamos diante de um movimento de desestruturação do sistema ambiental brasileiro com um lobby contra as unidades de conservação", alertou Samuel Barrêto, da The Nature Conservancy.

O ambientalista encontrou eco na plateia. "Todas as nascentes do Brasil perderam proteção com o novo Código Florestal. São 40 milhões de hectares desprotegidos. É preciso ação para virar o jogo", Mario Montovani, da ONG SOS Mata Atlântica.

Com tal pano de fundo, ampliar a participação da sociedade civil nas discussões e chegar à formulação de propostas concretas são algumas das preocupações que emergiram do encontro preparatório do fórum oficial no Amazonas.

"Temos que buscar soluções criativas para uso de água e produção de alimentos, pois os recursos hídricos estão se esgotando e teremos mais 1 bilhão de habitantes no planeta em 2030", destacou Alan Bojanic, representante da FAO, organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.

Outra questão central é a eficiência na utilização dos recursos hídricos. No Brasil, 70% da água doce vai para a agricultura e 30% para consumo humano e para a indústria. "Precisamos de maior efetividade dos sistemas de irrigações. Pivô central não é eficiente", exemplificou Bojanic.

RIO DOCE

"Mas quem afinal cuida da água no Brasil?", indagou Marussia Whately, coordenadora da Aliança pela Água, articulação que envolve 70 organizações e se formou a partir da recente crise hídrica em São Paulo.

Não menos importante são a preservação de mananciais e nascentes e a recuperação de bacias. "O Brasil que já foi o país dos rios, vai virando o país dos esgotos", criticou a representante da Aliança da Água.

Ela lembrou a tragédia do rio Doce, pelo rompimento da barragem de Fundão, nos arredores de Mariana (MG). "Há menos de dois anos, perdemos um rio e é angustiante ver a nossa falta de preparo para criar um modelo de recuperação daquela importante bacia hidrográfica."

O fórum é visto como oportunidade para debater ainda a complexidade da governança da água e do saneamento, que envolve vários níveis de governo, em um cenário desafiador de escassez e aumento crescente da demanda.

A perspectiva é de que em 2050, duas em cada três pessoas vão sofrer com escassez de água. "Quem tem acesso hoje, não está garantido amanhã. Água é um problema de todos. O que aconteceu em São Paulo é um bom exemplo disso", diz Telma Rocha, da Avina, que também integra a Aliança pela Água. "Quando faltou água na avenida Paulista, a questão finalmente ganhou dimensão nacional", complementou Barrêto.

O ambientalista chamou atenção para o fato de que para atender a demanda em tempos de escassez, busca-se água cada vez mais longe a um custo cada vez maior. "Na análise de 60 regiões com estresse hídrico no mundo, 12 estão no Brasil." Uma dura realizada que já diz respeito a 60 milhões de brasileiros.

Diante da magnitude e da urgência do problema, O diretor da The Nature Conservancy propôs que o fórum em Brasília caminhasse para a criação de uma Cúpula da Água das Nações Unidas, com força para promover resoluções e forçar mudanças com maior rapidez.

Água potável e saneamento são o sexto dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis estabelecidos pelas ONU em sua agenda até 2030.

CONCLUSÕES

Entre as conclusões do encontro preparatório estão a necessidade de dar escalas para boas experiências na gestão da água e envolver todos os atores nas soluções.

Um dos modelos de atuação é o da Coalizão Cidades pela Água, liderada pela The Nature Conservancy, que conta
com a adesão de empresas como Ambev, Coca-Cola FEMSA, Fundación Femsa e Klabin.

Como líder do setor de bebidas, a Coca-Cola mostrou no summit os esforços internos para melhorar a eficiência no uso da água em seus processos produtivos.

"Nos últimos 15 anos, reduzimos em 30% o consumo de água na manufatura de bebidas. Tínhamos uma meta global de atingir a neutralidade no uso da água até 2020. No Brasil, atingimos essa meta cinco anos antes, em 2015", afirmou o presidente da Coca-Cola Brasil.

Para o diretor de Valor Compartilhado da companhia, Pedro Massa, a iniciativa privada tem um poder grande de convocatória e de puxar inovação e compartilhar boas práticas. "Quando se fala em acesso à água, há problemas de logística, qualidade, infraestrutura. Podemos contribuir com nosso know-how e colocar nossos conhecimentos e ativos a serviço desta demanda, porque investir em água hoje é investir no futuro do país e também do nosso negócio."

A editora ELIANE TRINDADE viajou a convite da Coca-Cola Brasil


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