Folha de S. Paulo


'Trump não pode governar', diz dono da Virgin, ao falar de nova economia

Política, negócios sustentáveis e o papel dos consumidores e dos indivíduos foram os ingredientes principais do "Diálogos sobre a Nova Economia", realizado nesta terça-feira (30), em São Paulo, que teve como destaque Richard Branson, dono do grupo Virgin.

"Temos o mais bonito dos planetas, que eu pude ver na minha viagem ao espaço. Temos de escolher se vamos continuar a destruí-lo ou fazê-lo ainda mais belo", afirmou o empresário britânico.

Branson promete para o começo de 2018 iniciar o turismo aeroespacial para clientes dispostos a pagar US$ 250 mil para fazer um passeio fora da Terra.

No encontro em terras brasileiras promovido pela Natura e pelo Sistema B, Branson colocou o crachá de empreendedor social, como fundador da Carbon War Room, cujo foco é buscar soluções para problemas climáticos.

Gancho para colocar em pauta a controversa política de Donald Trump para o ambiente.

Dois dias depois, o presidente dos Estados Unidos anunciaria que o país deixaria de ser signatário do Acordo do Cima de Paris, firmado por 195 nações em 2015.

"Trump nunca poderia governar um país como os Estados Unidos. Não sei como o elegeram. Deve ser embaraçoso ser americano", disse Branson.

A declaração foi feita durante um bate-papo do britânico com o brasileiro Guilherme Leal, um dos fundadores da Natura.

Os dois integram o momento mundial de empresas B, que reúne empreendedores com o compromisso de fazer negócios que impactem positivamente o ambiente e a sociedade.

"Somos todos B aqui. Acreditamos que é possível construir um mundo melhor e uma sociedade mais inclusiva", disse Leal. "Estamos falando com indivíduos que sáo também consumidores e eleitores e podem fazer a transformação."

O copresidente do Conselho de Administração da Natura, que foi vice na chapa de Marina Silva nas eleições presidenciais de 2014, alertou também para as ameaças de retrocesso do atual governo Michel Temer e da crescente influência da bancada do agronegócio no Congresso Nacional.

"Este é um momento de grande preocupação e de risco de retrocesso institucional diante de duas Medidas Provisórias que propõem a redução de áreas de preservação na Amazônia", afirmou Leal. Ele salientou ainda o crescimento nos últimos dois anos da taxa de desmatamento na região. "Precisamos ativar o nosso ativismo."

INOVAÇÕES DO BEM

O evento também abriu espaço para a apresentação de iniciativas inovadoras capazes de responder aos desafios socioambientais da atualidade.

O que têm em comum um óculos feito de jeans reciclado, painéis solares maleáveis, um hidratante feito a partir de uma espécie de árvore amazônica ameaçada de extinção e um lanches saudáveis com castanhas brasileiras?

Este são alguns dos produtos concebidos por empresas como Karun, Sunew, Natura e Mãe Terra, cujos fundadores também ocuparam o palco do "Diálogos sobre a Nova Economia".

"Temos a solução para salvar o mundo: a fonte mais verde de geração de energia", anunciou Tiago Alves, cofundador da Sunew. A start-up brasileira colocou no mercado uma tecnologia de placas fotovoltaicas de nova geração.

Dobráveis e leves, elas podem ser transportadas em lombo de burro, nos rincões do Nordeste ou da África. "Criamos o jegue elétrico", brincou o empreendedor, ao mostrar as enormes potencialidades do produto.

Alves falou sério, no entanto, ao enfatizar a urgência de uma revolução energética e de uma transição para um modelo sustentável de produção e consumo de energia renovável.

"No ritmo atual, estamos a 16 anos para acabar o mundo. E a gente acaba antes do que as recursos naturais, como as reservas de petróleo, pois estamos no limite de 2 graus na escalada do aquecimento global e 75% da calota polar já derretida."

O alarmismo é necessário, segundo ele, para fazer com que todos participem da solução. "Estamos no abismo e ainda estudando como parar. É preciso quebrar paradigma. O planeta depende disso."

E ele prossegue com raciocínio: "Já temos tecnologia, leis, regulação. O que falta? Faltamos nós. A transição para a energia limpa é coletiva. Depende de cada um de nós."

PAPEL DAS EMPRESAS

Renata Puchala, gerente de Sustentabilidade da Natura, ressaltou o papel das empresas, que podem transformar desafios socioambientais em oportunidade de negócios.

A executiva deu exemplos do trabalho da empresa brasileira de cosméticos que atua com 33 cooperativas na sua cadeia de fornecedores, 24 delas localizadas na região amazônica. "Acreditamos na economia da floresta em pé."

Um exemplo é a linha de produtos à base da Ucuuba, árvore ameaçada de extinção. Um processo que vai além do negócio em si e também gera renda e empoderamento nas comunidades. Como no caso de Rosilei Almeida, que criou o Movimento Mulheres das Ilhas de Belém.

Impacto positivo computado na renovação da certificação da Natura como B Corp. Desde 2014, a companhia brasileira passou a integrar a rede global de empresas que associam crescimento econômico à promoção do bem-estar social e ambiental.

É a maior B Corp industrial do mundo e a primeira de capital aberto. Ao renovar a certificação, a Natura obteve 120 pontos, 11% a mais em relação a 2014.

Emmanuelle Wargon, vice-presidente de Assuntos Corporativos do grupo Danone, também festejou a recente certificação da operação do grupo na Espanha como empresa B.

"Acreditamos que crescimento sustentável é rentável. A revolução na alimentação está crescendo", afirmou a executiva.

MAIS QUE MODA

Fundador da Karün, empresa de óculos feitos de materiais reciclados, o chileno Thomas Kimber pretende o usar o canal de comunicação da moda para o crescimento do negócio com impacto social e ambiental.

"Os óculos podem representar uma nova perspectivas de ver o mundo. Até agora, a mensagem do mundo fashion é muito ruim para a sociedade."

O empreendedor destacou o fato de estarmos rodeados de desperdício. "Nós estamos enxergando valor em jeans usados e descartados. Um material que reciclamos e que que viram óculos. Precisamos mudar a lógica de produção, incluir as pessoas e mudar a nós mesmos."

Para Alexandre Borges, CEO da Mãe Terra, é possível associar lucro e propósito no seu negócio que visa democratizar o consumo de produtos naturais e orgânicos no Brasil. "Não se consegue ser ver se estivermos no vermelho", lembrou ele.

Há dez anos, ele virou empreendedor social ao adquirir a Mãe Terra e vem atuando para ampliar o nicho de mercado em um cenário desafiador: 50% da população brasileira está acima do peso e o Brasil é o maior consumidor per capita de agrotóxico.

Apesar da crise, ele apresenta números animadores, como os 10 milhões de consumidores/mês da marca. Crescimento apoiado em estratégias como a de lançamento de pacotes de lanche com castanhas brasileiras e de biscoito integrais a preços populares.

"Temos que encorajar os consumidores a fazer a escolha certa, influenciando o comportamento do público", pregou Branson, ao encerrar o diálogo sobre as perspectivas e desafios da economia do século 21.

E o extravagante empresário fez jus à fama ao se despedir da plateia. Deixou o palco carregando no colo a mediadora da conversa, Andrea Alvares, vice-presidente de Marketing, Inovação e Sustentabilidade da Natura.


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