Folha de S. Paulo


'Capitalismo é sistema de cooperação social', diz economista americano

Divulgação/FDC
Edward Freeman, 64, economista americano conhecido por ser pai da teoria do stakeholder
Edward Freeman, 64, economista americano conhecido por ser pai da teoria do stakeholder

"Precisamos mudar essa ideia de que negócios só dizem respeito a lucro", afirma Edward Freeman, 64, economista conhecido por ser pai da teoria do stakeholder, em entrevista exclusiva à Folha.

Nessa teoria, a geração de valor de uma empresa não importa apenas para os acionistas. São considerados grupos direta ou indiretamente impactados por ela.

"É uma ideia simples sobre como os negócios de fato funcionam. Diz que a maioria dos negócios gera valor para clientes, fornecedores, empregados, comunidades e para as pessoas com dinheiro [acionistas]", explica.

Ele esteve no Brasil para o FDC Global Thinker's Summit, organizado pela Fundação Dom Cabral, parceira do Prêmio Empreendedor Social, em Nova Lima (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte, em 2016.

Para ele, o capitalismo não é "uma briga de cães" e vivemos uma revolução no mundo dos negócios. "O que vemos no mundo são empresas e países insatisfeitos com a ideia de que negócios são apenas sobre dinheiro e lucro."

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Folha - O que é a Teoria do Stakeholder?
Edward Freeman - É uma ideia simples sobre como os negócios de fato funcionam. Diz que a maioria dos negócios gera valor para clientes, fornecedores, empregados, comunidades e para as pessoas com dinheiro [acionistas]. Diz que a maioria das empresas começa porque empreendedores têm ideias para mudar o mundo. Eles não começam um negócio só para fazer dinheiro.

Lucro é importante, mas o propósito também. Precisamos de uma ideia de negócio que coloque os dois juntos.

O que vemos no mundo são empresas e países insatisfeitos com a ideia de que negócios são apenas sobre dinheiro e lucro. Eles querem que sejam mais. Jovens querem que sejam mais. Querem entrar em uma empresa que faz a diferença no mundo ou começar uma que faça.

É essa a ideia do empreendedorismo social. Mas eles normalmente não veem o empreendedorismo, pelo menos a sua parte social, como algo nobre. Mas é. Empreendedores mudaram o mundo não porque foram gananciosos e famintos por lucro, mas porque tiveram ideias que quiseram levar para as pessoas.

Lucro é importante, necessário para a sobrevivência de um negócio. Mas dizer que lucro é o propósito de uma empresa, é dizer que produzir células vermelhas é o propósito da vida. Precisamos delas para viver, mas não são o propósito da vida.

Então stakeholders é uma ideia simples, não é algo que eu inventei. É tentar trazer sentido para o que está acontecendo no mundo, para como empresas podem ser motivadas por propósito e também tentar lucrar.

O mundo dos negócios então passa por uma mudança? Qual é esse cenário?
Passa por uma enorme mudança. Estou fazendo isso há bastante tempo, e os negócios mudaram muito. São claramente mais globais, mais ligados à política, o que é bom e ruim.

A maior mudança de todas foi a tecnologia da informação. Pessoas dizem que a invenção dos computadores foi como a invenção do carro. Acho que isso está errado. Foi a descoberta do fogo. Eles mudam radicalmente quem somos, com quem nos relacionamos e a qualidade desses relacionamentos. Apenas começamos a ver o início dessa era tecnológica.

Pode-se dizer que uma revolução está em curso?
É exatamente isso. Precisamos de uma revolução na maneira em que pensamos os negócios.

Qual o papel da sociedade civil nessa revolução?
A sociedade civil tem um papel muito importante. Ela é a catalisadora de mudanças. Se olharmos para ONGs como Greenpeace, eles catalisam ações de sustentabilidade.

É um papel importante especialmente nos EUA, não sei no Brasil, onde o processo político parece estar quebrado. Para liderar a mudança social, não podemos mais depender do Congresso ou até do presidente porque está de mãos atadas pelo Congresso. É a sociedade civil que lidera as mudanças sociais.

O diálogo precisa existir entre sociedade civil, empresas e governo.

O que ainda precisa mudar?
Precisamos mudar essa ideia de que negócios só dizem respeito a lucro. Esse é um discurso antigo, de que o capitalismo funciona porque as pessoas são egoístas e gananciosas que só estão tentando fazer dinheiro para elas mesmas. Isso está errado. Negócios funcionam porque trabalhamos juntos para colaborar, são formados por cooperações sociais.

O capitalismo é um sistema de cooperação social, sobre como cooperamos para criar coisas que não poderíamos fazer sozinhos. Foi nossa habilidade de colaborar e cooperar que transformou o mundo num lugar melhor.

Estamos tirando pessoas da pobreza, muito lentamente, ainda temos uma lacuna enorme entre os mais pobres e os mais ricos, mas que podemos fechar. Podemos inventar empresas, usar o empreendedorismo social, para descobrir formas de envolver cada vez mais pessoas na economia. Isso é o que precisamos fazer, esse é o desafio.

Isso significa o fim da era do lucro?
Lucro é necessário. Se um negócio não tem lucro, como poderá existir? Acho que, se as empresas focarem o propósito, os stakeholders e a ética, elas vão, na verdade, fazer mais dinheiro, ter mais sucesso. Lucro é consequência de como se lida com clientes, fornecedores, empregados, comunidades e acionistas.

É um pouco como as pessoas que gastam muito tempo tentando ser felizes. Elas são as pessoas mais infelizes do mundo porque não entendem que felicidade é uma consequência de como se leva a vida.

Lucro é a mesma coisa. É como uma recompensa por ter feito a coisa certa.

Como medir eficiência se lucro é consequência, não objetivo?
Acho que existem diferentes formas. Primeiramente, performance total. Existem muitas maneiras de medi-la se entendermos que é assim que avaliaremos eficiência.

Não existe a mesma forma para toda empresa. É possível ter lucro e ser mal administrado. É possível ter lucro e não ter futuro. É possível não ter nenhum lucro e ter um futuro brilhante.

Lucro e mercado de ações não importam aqui. Precisamos de múltiplas medidas de sucesso. Talvez, em algum ponto da história de uma empresa, isso seja a quantidade de novos clientes conquistados. Em outro ponto, se as comunidades querem a empresa.

É possível ter uma medida de sucesso com cada stakeholder: clientes, fornecedores, empregados, comunidades e acionistas. E aí é possível colocar essas medidas juntas e ver onde é preciso melhorar. Pensar em medidas de performance junto com stakeholders é melhor que uma medida geral de lucro.

O mundo dos negócios, hoje, é ético?
Acredito que em sua maior parte, sim. Acho que a grande mentira aqui é que ética e negócios não se encontram. Infelizmente, focamos muito os escândalos. O Brasil tem o seu, os EUA têm o deles, todo país tem o seu.

Para todo escândalo gigantesco, existem 10 mil ou mais empresas que estão tentando fazer a coisa certa, criar produtos melhores, melhorar a vida de seus clientes, oferecer bons empregos, ser justo com fornecedores.

Existem casos de escândalos, essas coisas acontecem, mas é um erro dizer que todos são maus. Não é verdade.

Gostamos de encontrar alguns que são bons e os elevamos e chamamos de santos. Todos os outros são pecadores. E toda a vez que um dos santos comete um erro –e eles sempre cometem–, dizemos: 'Viu, na verdade, eles são pecadores'.

Precisamos encontrar uma forma de pensar os negócios que não os divida entre santos e pecadores.

O propósito e a ética combinam com o capitalismo?
Sim, são o motor do capitalismo. Não é a concorrência e a ganância. É a nossa habilidade de colaborar e usar a nossa imaginação para criar todo o tipo de coisas boas.

Concorrência é importante e nos dá opções em uma sociedade livre, mas o que faz os negócios e o capitalismo funcionarem é a colaboração e a nossa imaginação criativa.

Não vemos o capitalismo desse jeito. Vemos como um sistema de briga de cães. Não é dessa forma que o mundo funciona hoje.

Como melhorar as relações entre setor privado e público, visto os recentes escândalos no Brasil?
É preciso reinventar ambos. O que se pode fazer para que os negócios cresçam e prosperem? É possível ter um currículo nas escolas que incentivem as pessoas a serem empreendedores sociais. Isso faz com que as crianças cresçam querendo fazer a diferença no mundo, facilita a geração de valor.

Governos que ajudam a cuidar da saúde das pessoas de uma forma efetiva geram muito valor porque é possível trabalhar mais e ser mais produtivo.

Nos EUA, chamamos de "crony capitalism" [capitalismo do amigo íntimo, em tradução livre] quando empresa e governo conspiram. Geralmente, eles conspiram para destruir concorrentes, para não ter que inovar, para tratar seus empregados de uma forma não muito boa.

Onde isso acontece, a sociedade fica muito vulnerável para as pessoas que descobrem novas formas de fazer melhor, mais rápido, mais barato, mais sustentável, mais eticamente.

As empresas de táxi tinham um acordo especial com o governo para eliminar a concorrência em algumas cidades dos EUA. O que acontece em um cenário desse? Surge o Uber, que descobre como driblar isso de uma forma melhor, mais rápida, mais barata e mais sustentável.

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Raio-X

Edward Freeman

Idade
64 anos

Formação
doutor em filosofia pela Universidade Washington

Carreira
é professor de administração de empresas da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, diretor do Instituto de Rodada de Negócios para Ética Corporativa e professor visitante em diferentes universidades europeias


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