Folha de S. Paulo


Rede de empreendedores no país pode ser melhor organizada, diz empresária

Líder da INK, Liziane Silva participou da Iniciativa para Jovens Líderes das Américas, um programa de intercâmbio organizado e patrocinado pelo governo americano para aproximar empreendedores.

Ela passou seis semanas nos Estado Unidos em contato com líderes de projetos de impacto social da América Latina e Caribe e também americanos .

"Têm uma diversidade grande no perfil do projeto, mas todos têm uma clareza de seu impacto social", afirma sobre os colegas intercambistas. "Acaba-se trocando, aprendendo muito, tanto com o olhar mais fresco de quem está começando como com o de quem é mais experiente."

No período, Liziane trabalhou durante quatro semanas no Centro de Excelência para Organizações Sem Fins Lucrativos, empresa que tem sinergia com o trabalho da INK, que leva gestão e estratégia a projetos sociais.

Ela pode ver de perto o ecossistema do empreendedorismo social americano, que diz ser muito forte. O potencial e a necessidade dessa rede é algo que podemos organizar muito melhor aqui no Brasil.

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Folha - Qual o trabalho da INK?
Liziane Silva - A INK é uma empresa que trabalha com gestão e estratégia de projetos sociais e faz isso como negócio social.

Somos pioneiros no Brasil em trabalhar uma metodologia que se chama PMDPro, uma certificação internacional em gestão de projetos sociais criada por um consórcio de 80 ONGs.

Elas perceberam que todas trabalhavam com projetos, colocavam tempo, esforços, recursos para adaptar os conhecimentos mais tradicionais da área comercial para suas necessidades e que existiam diferenças de fato que elas viam na gestão e decidiram fazer isso juntas.

Fiz esse curso em 2011 e, em 2012, comecei a replicar no Brasil, a INK nasceu, foi crescendo, ganhou um prêmio em reconhecimento por ter criado um negócio que permitiu a disseminação da metodologia.

Como você ficou sabendo da Iniciativa para Jovens Líderes das Américas?
Uma amiga empreendedora participou do piloto e divulgou no Facebook. Decidi me inscrever este ano porque é o último do Obama.

Outro motivo para eu me inscrever neste momento foi porque eu estava buscando, na semana em que me inscrevi, um benchmark bond, pensando no crescimento da INK.

Sempre se fala muito em aprender com quem está fazendo melhor que você e esse programa deu para nós um benchmark bem profundo.

Qual foi o perfil dos empreendedores selecionados para a iniciativa?
Todos os 250 da América Latina e do Caribe têm uma diversidade grande no perfil do projeto, mas todos têm uma clareza de seu impacto social. Tem projetos mais tradicionais e outros mais iniciantes, mas que já estão fazendo a diferença. Isso é muito legal.

Acaba-se trocando, aprendendo muito, tanto com o olhar mais fresco de quem está começando como com o de quem é mais experiente.

Como foi a programação da iniciativa?
Foram mais ou menos seis semanas. É um programa de intercâmbio oficial do governo criado por iniciativa do Obama, patrocinado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Esse programa tem um viés estratégico como uma forma de estabelecer parcerias e ter embaixadores não formais para as pessoas conhecerem a realidade dos Estados Unidos e quebrar estereótipos, tanto negativos quanto positivos.

Na primeira semana, nos conhecemos. Estavam todos os 250 empreendedores juntos, em Dallas [no Estado do Texas], em conferência, trabalhando temas de empreendedorismo. Eles falam muito sobre posicionamento pessoal, marketing, comunicação.

Alguns empreendedores vieram falar, como a Nina Vaca, dona do maior negócio que tem uma mulher como líder nos Estados Unidos. A história dela é incrível, ela fala de fazer coisas loucamente boas, que é o lema da vida dela.

Aí nos dividimos em grupos de aproximadamente dez fellows, e cada grupo foi para uma das 21 cidades ao redor dos Estados Unidos. Nessas cidades, trabalhamos por quatro semanas em um negócio local. Fomos alocados pelo programa em um negócio que tivesse a ver com o nosso.

Fui para o Centro de Excelência das Organizações Sem Fins Lucrativos, em Charlottesville [no Estado da Virgínia]. Durante essas quatro semanas ficamos trabalhando de segunda à quinta. Sexta-feira tinha uma programação mais de conhecimento, workshops, que eram programados localmente, e um webinar que era feito com todo mundo.

Na última semana, nos reencontramos em Washington [capital americana] para o fechamento do programa. Richard Branson veio falar, teve um coquetel no Departamento de Estado.

Fomos muito bem recebidos pelos representantes tanto do governo quanto da rede de empreendedorismo que existe lá e que é super forte. A intenção era nos conectar com esse ecossistema para podermos aprender.

Vocês chegaram a conhecer o Obama?
Enquanto estávamos lá, eles mandaram oportunidade extra de conexão e algumas pessoas se candidataram. Eles selecionaram 60 dos 250 para irem a um encontro em Lima [Peru]. Nesse encontro, participamos de uma palestra com o Obama, com uma sessão de perguntas e respostas.

E como foi conhecê-lo?
Dava para ver o quão cansado ele estava. Estávamos em Washington no dia do resultado das eleições, que foi uma experiência bem intensa também.

É difícil colocar todos os aprendizados e inspirações numa frase, mas o que eu consigo sintetizar é que foi uma experiência absolutamente inspiradora de ver um líder global como um ser humano.

E ele passa muito essa mensagem que por mais que tome decisões que afetam a vida de muito mais do que só a família dele, o mais importante, que precisamos prestar muito atenção, é enxergar a humanidade, olhar além das diferenças.

Muitas questões foram levantadas sobre o discurso de ódio de [Donald] Trump e do quanto que ele acreditava que isso ia se traduzir em políticas.

O discurso dele ia para o "não sei, não posso controlar", e logo para o "todo mundo tem que continuar trabalhando. Quando eu olho a expressão de vocês preocupada com isso, eu me sinto otimista. Acho que precisamos reconhecer que está melhor do que cem anos atrás e continuar trabalhando, conectados com nossas causas e fazendo o que se acredita ser o melhor".

O que você traz de aprendizado da iniciativa?
Reportar o entendimento do quanto é importante para o empreendedor estar aprendendo sempre. Reforçou ainda mais que minha prioridade é aprender e isso se traduz no modelo de negócio.

Como trabalhamos com conhecimento, como aprende o tempo todo sobre os nossos clientes para resolver de fato os problemas deles, como incentiva as organizações sociais a continuarem aprendendo, persistindo em entender a complexidade do problema que elas estão resolvendo para conseguir resolver de uma forma melhor.

Na área social, as coisas são dinâmicas, estão sempre em movimento, então se manter nesse estado de aprendizagem é fundamental para se manter em dia com a realidade.

Outro ponto bem prático foi que eu tive em uma organização que é o centro de excelência das ONGs e, quando vi eles trabalhando tão forte localmente, entendi mais esse valor do local globalizado, de trabalhar localmente, criar uma solução relevante e a escala vem junto com isso.

A escala, às vezes, não é estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mas fazer algo que repercute, que gera conhecimento, experiência, capacidade de outros trocarem e levarem a mensagem adiante.

Isso está me fazendo pensar bastante no modelo de negócio da INK e como avançamos.

Outra coisa que já é muito falada no meio empreendedor é que, às vezes, empreender parece uma jornada solitária, mas quando nos encontramos numa rede como essa, vemos muito mais sentimentos de potenciais em comum do que separado. O potencial e a necessidade dessa rede é algo que podemos organizar muito melhor aqui no Brasil.


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