Folha de S. Paulo


Inventor sai da roça para fazer equipamentos que salvam vidas

Já na infância, ele deu os primeiros sinais da vocação para "professor Pardal". Aos dez anos, ajudava o pai na cultura de frutas e começou a bolar engenhocas que facilitassem o trabalho manual no sítio da família no município de Santa Cruz do Rio Pardo (a 346 km de São Paulo).

Em uma delas, por exemplo, usou madeira para construir um equipamento que cortasse e colasse sacos de papel para proteger as frutas. Também criou um mecanismo para limpar o galinheiro.

O sonho do menino Tatsuo Suzuki, porém, era se tornar médico. Penúltimo de sete filhos de uma família de imigrantes japoneses, ele mirava o exemplo do avô, que largou o curso de medicina no Japão ao se mudar para o Brasil, mas cuidou de muitas pessoas na fazenda onde morava, no interior paulista.

Conheça a Magnamed

Na adolescência, Suzuki, 67, percebeu que poderia seguir essa missão por outra via: desenvolvendo produtos que ajudassem a salvar vidas. A inspiração veio por volta dos 15 anos, após ler um artigo no jornal da comunidade nipônica sobre o médico Kentaro Takaoka, que havia inventado um respirador para ser usado em cirurgias.

"Minha mãe me disse que ele era um exemplo a ser seguido, e aquilo ficou na minha cabeça", conta Suzuki.

Aluno exemplar que sempre estudou em escolas públicas, ele cursou engenharia mecânica no ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e, depois, se especializou na área biomédica, com mestrado na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

A pesquisa para a dissertação foi realizada no InCor (Instituto do Coração), em São Paulo, sobre como aumentar a durabilidade de uma válvula do coração. No instituto, onde trabalhou por 16 anos, participou da criação de válvulas cardíacas e ventrículos artificiais.

AMOR E CÁLCULO

Ali conheceu a mulher, Leny, com quem é casado há 36 anos. Matemática, ela lecionava cálculo no InCor. "Olhei para ela com admiração e pensei: 'Nossa! Essa mocinha é professora de cálculo!'."

O único filho, o advogado Rogério, demorou três anos para ser gerado. "Pensamos em adotar. Quando já estava tudo encaminhado, minha mulher engravidou."

Em 1990, Suzuki foi contratado pela Takaoka, fabricante nacional de equipamentos médicos, e, por coincidência, fundada pelo famoso inventor que o havia inspirado ainda em sua adolescência.

Na empresa, ele diz ter aprendido muito com o mestre, mas se sentia tolhido na criatividade. "Ele era muito competitivo, centralizador, o que dificultava propostas de inovação de funcionários."

Foi na Takaoka que conheceu os atuais sócios, Wataru Ueda e Toru Miyagi, engenheiros eletrônicos. Juntos, deixaram a empresa em 2005 para criar a Magnamed, que nasceu na garagem da casa da mãe de um deles. Depois, foi incubada no Cietec, germinadora de empresas tecnológicas ligada à USP (Universidade de São Paulo).

INÍCIO PROMISSOR

Como estratégia de negócio, decidiram investir no desenvolvimento de respiradores artificiais, começando por um ventilador de transporte (Oxymag), e logo depois, um de UTI (Fleximag).

O primeiro produto foi construído de acordo com normas técnicas alemãs, o que garantiu sua entrada em mercados internacionais antes mesmo que no Brasil.

"Conseguimos o selo da agência reguladora europeia em seis meses. Aqui, demorou dois anos", conta.

A primeira grande venda foi para a África do Sul, desbancando concorrentes de peso como GE e Phillips. Hoje o ventilador é comercializado em 40 países.

O equipamento possui vários diferenciais. É leve (quase metade do peso dos já existentes), fácil de manipular e 50% mais barato que os similares importados, com a mesma confiabilidade.

Um diferencial importante é o preço, que pode chegar à metade se comparado aos concorrentes internacionais. Com aparelhos de qualidade e baixo custo, a Magnamed ganha musculatura para entrar com força em serviços públicos de saúde, ampliando o seu impacto social.

"Um gestor público de saúde precisa tomar decisões com bom custo x benefício para otimizar recursos, que são muito escassos. Isso significa salvar vidas, no final das contas", afirma Antonio José Martins, diretor do Hospital São José (SP), do SUS, que adquiriu 11 ventiladores pulmonares da Magnamed para as UTIs da instituição estadual.

Outra vantagem para um equipamento voltado a emergências médicas é que o mesmo ventilador pode ser usado em bebês, crianças e adultos, bastando apertar uma das três opções na tela sensível ao toque (neonatal, infantil ou adulto). Os concorrentes oferecem equipamentos distintos para cada perfil.

Segundo Suzuki, os ajustes podem ser feitos posteriormente, com o paciente já estabilizado. "A ideia é não perder tempo fazendo escolhas ou programações. Numa situação de emergência, a pessoa precisa respirar imediatamente. É uma questão de vida ou morte."

Profissionais que utilizam o aparelho atestam as vantagens. "Respiradores de outras marcas não atendem o recém-nascido. Com ele [Oxymag], já atendemos até criança de 450 gramas. Não restringe", afirma Vera Tronco, 53, enfermeira de bordo da Uniair, empresa de remoções aéreas.

Na maratona diária de um serviço de remoções no Recife (PE), a enfermeira Tatiane Aquino, 36, testa cotidianamente a eficácia dos ventiladores da Magnamed que equipam as ambulâncias da Mais Saúde.

"Alguns equipamentos são complicados, o Oxymag, não", diz ela. "Com um paciente em situação extrema, se eu não tiver que perder tempo com configurações e em checar se a bateria está carregada, faz toda a diferença."

Além do relato dos profissionais de saúde, as histórias dos pacientes que existem por trás dos aparelhos também emocionam o engenheiro Suzuki, avô de Nathan, 1. Em especial, a de um menino de quatro anos que vivia desde o nascimento em uma UTI, em Porto Alegre (RS).

"Ele estava conectado a um ventilador estacionário e não podia sair do quarto. Quando usou o Oxymag, pode andar pelo corredor, e viu a árvore de Natal, coisa que nunca tinha visto antes."

DÍVIDA COM O PAÍS

Para ele, essa satisfação de ajudar alguém, de preservar vidas, é a principal missão da empresa. "Temos uma dívida com este país. Tivemos uma excelente formação em escolas e universidades gratuitas. Temos que devolver esse conhecimento."

Hoje, a Magnamed é líder no mercado brasileiro de ventilação pulmonar de transporte, segmento antes dominado por multinacionais. A companhia fechou o ano de 2015 com faturamento bruto de R$ 20 milhões, um crescimento de 42% na comparação com 2014.

As metas futuras são ainda mais ambiciosas. "Queremos ser a Embraer da área médica", diz Tatsuo Suzuki. Se depender das suas iniciais, que em japonês, segundo o empreendedor social, querem dizer desenvolvimento, o inventor que veio da roça vai chegar lá.


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