Folha de S. Paulo


Ex-hippie vende soluções verdes para uma metrópole mais sustentável

Ele nunca teve carteira assinada. Cursou artes plásticas na USP (Universidade de São Paulo), mas não queria ser artista. Migrou para a educação.

Das boas práticas de seu estilo de vida sustentável, passou a bancar a família à frente de um negócio social fincado em São Paulo, mas batizado de Morada da Floresta.

Com uma composteira prática, que usa minhocas para transformar lixo doméstico em adubo orgânico, Cláudio Spínola, 40, criou um produto que é referência nacional.

Conheça a Morada da Floresta

Nascido em Brasília, em 1976, morou na Asa Sul da capital federal e lembra de brincar na rua como no interior.

Bem mais novo que os quatro irmãos, entrou na adolescência meio punk, "revoltado com o sistema". Aos 16, mudou-se para São Paulo. O pai vinha dirigir o Instituto Mackenzie.

O impacto foi grande, lembra: "Da janela do meu prédio eu via mais um prédio e mais um e mais um, sem horizonte, sem céu. Esse choque me influenciou nas escolhas depois, sempre querendo resgatar a natureza."

Na hora do vestibular, não conseguia escolher a profissão. Todas contribuíam para "a manutenção do sistema".

Entrou na USP em 1995. "Fui ficando mais hippie." Mudou-se para uma república e entrou em contato com as ideias da permacultura, sistema de pensamento nascido na Austrália nos anos 1970, que tem como práticas agricultura orgânica, cooperativismo e educação ambiental.

Sem querer morar na metrópole, saiu em viagem com um grupo pelo Brasil em um ônibus, o Bus On Ganesha. Percorriam festivais de ecologia e encontros de ecovilas levando cursos e oficinas.

Depois de um ano e meio, em 2006, em um Encontro Nacional de Comunidades Alternativas, conheceu Ana Paula Silva, 33, que tinha saído de São Paulo querendo mudar de vida.

INCÊNDIO E PAIXÃO

Um incêndio destruiu o ônibus e impediu o casal de seguir com a caravana. De volta a SP, Spínola gastou as economias na compra de um carro, roubado em seguida. "Cheguei ao fundo do poço."

Transformou a casa na zona oeste, comprada com a ajuda da família, em uma comunidade ecológica de verdade. Passaram a convidar expoentes do movimento das ecovilas para cursos e workshops no espaço que começa a abrigar também o espírito empreendedor do dono.

Quando nasceu Violeta, 8, a primeira filha, o casal optou por fraldas de pano para evitar as descartáveis, vilãs do ambiente por não serem biodegradáveis. Com modelos do Canadá, Ana Paula Silva passou a produzir e vender fraldas modernas de pano.

Ao mesmo tempo, Spínola iniciou a fabricação artesanal do hoje carro-chefe da Morada: a composteira de gavetas de plástico empilháveis, com torneira para a saída do adubo líquido, que não dá cheiro e pode ser usada em casa ou em apartamento. Com o crescimento do negócio e o nascimento do segundo filho, Micah, a casa deixou de ser comunidade e passou a abrigar apenas a família e a empresa.

COMPOSTA SP

A experiência acumulada levou o negócio social a ser chamado pela prefeitura para o Composta São Paulo, em 2014. Marco no tratamento do lixo orgânico na capital paulista, o projeto distribuiu 2.006 composteiras para famílias selecionadas entre as mais de 10 mil cadastradas.

O custo de R$ 800 mil saiu de um acordo com as empresas Loga e Ecourbis, responsáveis pela coleta da cidade.

"Foi o mais importante projeto de que participei. Mostrou que é possível fazer compostagem urbana em São Paulo", diz Spínola.

O desafio de entregar milhares de encomendas em três meses ajudou a estruturar a empresa. "Cláudio foi um grande parceiro. Precisávamos de alguém com experiência, e a Morada é respeitada nas práticas de descarte", diz Simão Pedro, secretário municipal de Serviços.

"Ele tem a militância alegre típica das pessoas que anteveem um futuro melhor", diz Lúcia Salles, funcionária da prefeitura que acompanhou a gestação do Composta SP.

Ricardo Young, vereador pela Rede, também destaca o papel precursor do fundador da Morada da Floresta. "Ele tem integridade e coerência: faz o que prega."

Spínola reconhece o processo orgânico de se tornar empreendedor. "Tudo começou com práticas internas, para estar em paz com nossa consciência. Aos poucos, viraram produtos e serviços."

A adesão à prática de compostagem, diz, muda a vida da clientela. "As pessoas ficam eufóricas, a composteira vira ponto turístico da casa."

No momento, Spínola está desenvolvendo um novo projeto de minhocário para 2017. "Veia de empreendedor sempre tive. Não fiz administração nem tenho conhecimento contábil. Aprendi para gerar impacto positivo."

Ele usa uma imagem para resumir sua trajetória. "Os visionários, no início, são diferentes dos outros. Aos poucos, a visão começa a virar alternativa ao sistema. Depois, é tendência até virar cenário."

Nesta toada, ele aposta que o tratamento de resíduos orgânico domésticos, de casa em casa, vire logo cenário.


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