Folha de S. Paulo


Rede Yunus propõe a João Doria terceirização com negócios sociais

A Yunus Negócios Sociais Brasil lançou uma carta aberta ao prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), com a proposta de que as privatizações –anunciadas pelo político em sua campanha eleitoral– não sejam direcionadas para empresas tradicionais.

A ideia da organização, que tem entre seus fundadores o prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, é que os equipamentos que seriam terceirizados, como por exemplo, o parque Ibirapuera, passem a ser administrados por empreendedores sociais.

A rede Yunus, que desenvolve e acelera negócios sociais no Brasil por meio de seu fundo de investimentos, publicou o documento nesta quarta-feira (19) em sua página no Facebook, sugerindo uma reunião para discutir a proposta com o futuro prefeito.

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Eduardo Anizelli/Folhapress
O economista indiano Muhammad Yunus, que defende a expansão do microcrédito e um capitalismo humanizado
O economista e prêmio Nobel da Paz Muhammad Yunus, que defende um capitalismo humanizado

Dessa forma, pretende se reunir com o prefeito eleito para apresentar um modelo de transferência do equipamento público para um negócio social, cujo lucro seria reinvestido no próprio negócio. O processo seria por edital público, sem custo para a Prefeitura de São Paulo.

"É possível terceirizar a gestão sem ter que pagar para que se mantenha a administração", explica Rogerio Oliveira, gestor da rede Yunus Negócios Sociais Brasil. "É como se fosse uma privatização, mas o interesse público é mantido em primeiro lugar."

Segundo ele, para que seja autossustentável, o negócio social que assumir a gestão teria que desenvolver projetos e programas para criar receita sem consumir recursos públicos.

A carta aberta busca propor uma alternativa ao "debate caloroso de benefícios e malefícios de se privatizar", diz Oliveira. "Com o negócio social, o bem-estar social continua sendo prioridade, como se estivesse nas mãos do Estado, mas com o benefício de tornar a gestão mais autônoma, veloz e eficiente."

A rede teve a ideia de lançar a carta durante a campanha eleitoral de Doria, quando anunciou que, se eleito, venderia o complexo do Anhembi e o autódromo de Interlagos e concederia o estádio do Pacaembu, ciclovias, faixas e corredores de ônibus, cemitérios, parques e mercados, como solução para as finanças municipais. O político foi eleito em primeiro turno com 53,3% dos votos válidos.

Outro ponto levantado na carta aberta é que o modelo evitaria o risco de, por conta de interesses empresariais, a administração de um parque, por exemplo, ir na direção contrária aos interesses da população.

"O negócio social já nasce 'autorregulado' pela sua própria natureza, sem precisar de agências reguladoras para controlar as privatizações feitas. Tem também as contas abertas, públicas, mas é gerido como uma empresa tradicional", explica o documento.

Segundo Oliveira a carta já chegou a Doria. A assessoria do político disse que a equipe ainda não teve tempo de analisar o pedido. "Tão logo seja escolhido o novo secretário da área e tão logo um convite seja oficialmente encaminhado para a nova administração, teremos prazer em discutir o assunto", informa.

Leia a seguir a carta na íntegra.

*

Carta aberta ao futuro prefeito da cidade de São Paulo, João Doria (e a outros prefeitos e governadores que se interessarem),

Olá Dória, tudo bem?

Trabalho em uma organização no Brasil chamada Yunus Negócios Sociais. Essa organização existe há aproximadamente 3 anos e tem entre seus fundadores o economista e prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, muito conhecido pela criação do microcrédito e mais recentemente pelo desenvolvimento de um novo conceito conhecido como Negócio Social. Caso ainda não tenha escutado o termo, lhe explico.

Negócios Sociais são empresas, normais como qualquer outra, que recolhem impostos normalmente, mas diferente de uma empresa tradicional os Negócios Sociais nascem com um objetivo único e claro de resolver algum problema social da cidade, do país, do planeta. A empresa não tem outro objetivo se não esse para o qual nasceu.

Você e quem tiver lendo essa carta pode então pensar que se trata de um tipo de ONG. Não. Diferente de um formato de ONG tradicional o Negócio Social tem o grande benefício de não depender de doações para nascer e para sobreviver. Ele desenvolve produtos ou serviços e através deste produto ou serviço resolve o problema ao que se propôs e ainda por cima se sustenta financeiramente através de sua comercialização.

O Negócio Social tem ainda um diferencial especial. Ele é lucrativo como qualquer empresa saudável. Mas o lucro que em uma empresa tradicional voltaria para os donos da empresa ou para seus investidores, acionistas no formato de dividendos no Negócio Social o lucro permanece no negócio. Para que? Para duas coisas:

1- para garantir que os recursos permaneçam no negócio social e assim possam ampliar o impacto desta empresa. Para que ela possa ganhar mais escala e assim impactar melhor e mais pessoas.

2 - porque assim garantimos que o resultado do negócio, os lucros, estejam sempre circulando na economia sob a forma de solução social e não sendo acumulado desnecessariamente no bolso de poucos.

Ou seja, um Negócio Social tem a eficiência de um negócio tradicional, mas tem a missão social de uma ONG. É um modelo visto como inovador, vanguardista e por isso tem atraído cada vez mais empresas, empreendedores e investidores sociais. Dou exemplos concretos.

Em São Paulo existe um negócio social chamado Moradigna. Este negócio social nasceu para combater os problemas de saúde originários de moradias em condições precárias pela cidade de São Paulo. Nasceu no Jardim Pantanal e lá já realizou mais de 100 reformas conseguindo oferecer um preço e condições de pagamento especiais para que os moradores locais pudessem pagar por estas reformas e como consequência sofrerem menos problemas de saúde por habitarem residências em melhores condições.

Existem projetos criados por grandes corporações como um desenvolvido com a Danone em Bangladesh. Lá foi um iogurte especial com micronutrientes para combater a desnutrição infantil, vendido a um preço acessível para que as pessoas mais pobres daqueles territórios pudessem comprar, mas ainda assim suficientes para cobrir os custos de produção e operação do projeto. Como estes, há centenas de projetos na área de educação, mobilidade, reflorestamento, saúde, etc no Brasil e no mundo. A lista ainda bem, já é longa. Poderia fazer uma outra carta aqui só citando mais exemplos.

Feito este grande parêntese para detalhar melhor o que é um Negócio Social, chego finalmente ao objetivo desta carta aberta.

Escutei e li durante sua campanha seus planos de privatizar diversas áreas da cidade, como por exemplo parques e ciclovias só para citar alguns.

Gostaria muito de propor uma reunião em alguma data conveniente para você nas próximas semanas para que possa lhe apresentar modelos e formatos para que alguns destes locais possam ser privatizados, mas não para uma empresa tradicional e sim para um Negócio Social.

Pense comigo e perceba que interessante. Imagine o parque Ibirapuera sendo administrado por um empreendedor de um Negócio Social.

Este Negócio Social teria como missão manter e preservar o parque, seu significado, sua natureza e toda a possibilidade de lazer e conexão com o verde que o paulistano tanto precisa. Especialmente a grande maioria que não tem o privilégio de 'escapar' da cidade aos fins de semana.

Sendo uma empresa ele buscaria o máximo de eficiência administrativa possível para atingir seu objetivo e ainda assim se manter financeiramente autossustentável, não consumindo nenhum tipo de recurso público da cidade ou de seus moradores.

E agora vem a parte mais interessante. Sendo ele não uma empresa normal, mas sim um negócio social, ele estaria completamente focado apenas na sua missão social, de tornar este lugar o melhor lugar possível para seus frequentadores e para a cidade. O Negócio Social não cairia no risco de, por conta de algum interesse empresarial tradicional, acabar indo para alguma direção que fosse contrária ao interesse da população. Ele já nasce 'autorregulado' pela sua própria natureza de Negócio Social, sem precisar de agências reguladoras para controlar as privatizações feitas. Ele nasce com as contas abertas, públicas. Mas é gerido como uma empresa tradicional.

Não lhe parece a princípio uma boa ideia? Que tal avaliarmos isto em mais profundidade e fazermos testes nesta direção? Vemos isso como uma grande inovação possível de ser implementada como política pública e como solução que poderia contribuir na equação entre prós e contras em se privatizar ou realizar concessões de áreas públicas da cidade.

Caso aceite o convite, quando seria um bom dia para fazermos esta primeira reunião?

Um grande abraço
Rogerio Oliveira
Gestor da rede Yunus Negócios Sociais Brasil
www.yunusnegociossociais.com


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