Folha de S. Paulo


'Ouro é ilusão, melhor estudar', diz garimpeiro que tem 9 filhos na escola

Cícero Queiroz, 54, é garimpeiro desde os 12. Conheceu sua companheira de vida, Hebe, 50, aos 25, com quem teve nove filhos e cria dois netos. Eles moram em Gentio de Ouro (BA), onde, segundo ela, "não tem trabalho".

Três filhas migraram para São Paulo em busca de oportunidades. Cícero não tem rendimento certo. "O ouro só trouxe ilusão até agora", diz. "O garimpo é na sorte e não dá nem para calcular [quanto tira por mês]."

Na Lata
A família do garimpeiro Cícero e da gari Hebe Queiroz, em Gentio de Ouro (BA). Eles conseguiram colocar os nove filhos na escola
A família do garimpeiro Cícero e da gari Hebe Queiroz, em Gentio de Ouro (BA). Eles conseguiram colocar os nove filhos na escola

A renda fixa familiar são os R$ 527 do Bolsa Família e os R$ 400 que Hebe recebe como gari. Foi assim que eles conseguiram colocar todos os filhos na escola, ainda que ela e o marido não tenham completado o ensino fundamental.

"Para mim, é uma vantagem muito grande dizer que todos os meus filhos estão estudando", orgulha-se o pai.

Seu esforço é no sentido de os herdeiros só entrarem no mercado de trabalho depois da de concluírem o ensino médio. "O melhor investimento que se pode fazer para os filhos é o estudo, para sair daqui."

A escola que os filhos frequentam é a mesma em que Cícero estudava, mas ele percebe melhora. "Antes, era a mesa, um professor, a palmatória e uma régua, tudo que fazia a gente aprender", lembra.

Hebe também reconhece a evolução, principalmente depois que o IBS (Instituto Brasil Solidário) passou por lá. "As escolas não tinham piso e sala do professor. A merenda era econômica."

A filha, Erica, 15, relata o que viveu no precário ambiente escola de antes. "A gente tinha medo que as paredes iam cair em cima da gente. Os professores não sabiam ensinar."

O IBS é uma Oscip (organização da sociedade civil de interesse público) que atua em escolas de municípios com baixo IDH para mobilizar a comunidade em prol do desenvolvimento local. As atividades misturam educação, saúde e artes.

O mentor do instituto é o fotógrafo formado em direito Luis Salvatore, 38, finalista do Prêmio Empreendedor Social 2015. Ele também concorre na categoria Escolha do Leitor; vote.

MUDANÇAS

Erica diz que, após a passagem do IBS, ela percebe mudanças além da escola. "A comunidade tem mais garra para pedir o que está precisando."

A jovem participa de uma oficina de geração de renda, onde aprendeu a fazer bonecos, tapetes e painéis decorativos. "Escolhi essa oficina porque eu posso vender e também ensinar outras pessoas."

O IMPORTANTE É ESTUDAR

Em Gentio de Ouro, o IBS organizou uma orquestra de lata e realizou um documentário com cenas de "Os Sertões", de Euclydes da Cunha, protagonizado pela própria comunidade.

"Eu me sinto muito feliz [quando vejo meus filhos participando]. Eles já estão bem melhores do que eu", afirma Cícero. A mulher concorda e diz: "Se Deus quiser, vão mais longe do que eu."

A filha mais velha, Elaine, cumpriu o desejo. Depois de abandonar a escola, mudou-se para São Paulo e continuou os estudos. "Quando ela terminou [o ensino médio], onde ela quis entrar, entrou", conta a mãe, orgulhosa.

Hoje, a jovem trabalha na L'Occitane e aconselha os mais novos da família a trilhar o mesmo caminhos depois de fazer o ensino médio. "São Paulo para quem não tem o estudo é complicado. É melhor se preparar, porque o mundo está aí", aconselha a matriarca.

Erica voltou, mas quer alçar voos maiores. Sonha em ser dentista. "Quero ser uma pessoa muito realizada e que meus pais tenham muito orgulho de mim", emociona-se a caçula.

A irmã, Gabriela, também sonha alto: "Quero ser empresária ou engenheira. Até hoje, nenhuma das minhas irmãs mais velhas chegaram aonde eu espero chegar", relata em meio às lagrimas. "Quero mostrar para meus pais que eu tenho capacidade."


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