Folha de S. Paulo


Potenciais negócios nascem durante viagem de barco pelo Amazonas

Enquanto o navio Grand Amazon deslizava a 12 km/h pelas águas turvas do rio Amazonas rumo a Manaus, um grupo de potenciais empreendedores aprendia as ferramentas para o barco de suas futuras empresas não afundar.

Eles são 34 desafiantes que embarcaram, literalmente, com a missão de propor negócios sustentáveis e capazes de solucionar problemas crônicos da região amazônica.

Cinco dos passageiros embarcados no The Boat Challenge debruçavam-se, por exemplo, sobre formas de melhorar o acesso dos manauaras à saúde, por exemplo.

Outras equipes formadas a bordo também corriam atrás de modelos de negócios sociais em áreas tão díspares quanto turismo comunitário, empoderamento, educação financeira e saneamento básico.

Assista

CAINDO NA REAL

A ideia inicial que aglutinou o grupo Saúde nas Mãos foi proposta pela jornalista Márcia Barroso, 31: um aplicativo para marcar consultas no SUS.

De cara, ela ganhou um potencial sócio, Wellinton Marinho, 24, que também pretendia usar celulares e tablets para melhorar o atendimento à população. "O que nos uniu foi levantar a bandeira da saúde", emenda ele.

Logo na primeira reunião, as propostas iniciais murcharam. "A gente se apaixonou pela solução, mas sem enxergar de fato os problemas", confessa Carolina Zakime.

Mentores de várias especialidades acompanharam as atividades dos grupos embarcados justamente para fazê-los descer das nuvens.

Um deles é Alexandre Gomes, especialista em Tecnologia da Informação, com 15 anos de experiência em empreendedorismo social.

"Meu papel aqui é fazê-los entender o que faz o barco afundar", diz. "Estou mostrando o lado B do empreendedorismo, aquele que ninguém conta. É dificílimo ter sócios e muitos quebram por não saber lidar com questões básicas em um negócio, como precificar e fazer folha de pagamento."

Alexandre, apelidado pelos jovens de "o Grande", apontou falhas e incongruências da turma da saúde que tentava compatibilizar propostas como criar aplicativo para agendar consultas e promover a saúde mental.

PERGUNTAS CERTAS

"Os mentores nos fizeram mudar o foco ao fazer as perguntas certas", agradece Amadeu de Oliveira, 25. "A gente não sabia responder quem era de fato nosso cliente e que problema iria resolver."

Ao longo dos 480 km rio acima entre Parintins e capital do Amazonas, o foco da equipe mudou completamente e passou a ser o agendamento de consultas na rede privada, pelas dificuldades em operar dentro do sistema público.

"Todo mundo aqui já viveu o drama de marcar consulta pelos planos de saúde, também tendo que esperar meses para conseguir", explica Márcia. "Então, vamos usar a tecnologia para facilitar a vida de pacientes e médicos."

Os clientes do futuro negócio seriam profissionais credenciados em planos de saúde e hospitais privados. Ambos colocariam à disposição suas agendas a serem geridas pelo aplicativo, em um serviço vendido pelos sócios da futura Saúde nas Mãos.

No desenho do modelo de negócios, os potenciais sócios listaram parceiros-chaves, atividades a serem desenvolvidas, fontes de receita e canais de relacionamento com clientes.

ENCUBAÇÃO DE PROJETOS

Um exercício feito por todos os grupos do The Boat Challenge, uma iniciativa da Coca-Cola Up, plataforma de empreendedorismo da Coca-Cola Brasil, que já atua em comunidades ribeirinhas da Amazônia.

Ao final da viagem de navio, os desafiantes apresentaram seus projetos finais para análise de cinco jurados.

O grande vencedor do desafio náutico, o universitário José Adalberto e outros quatro colegas que se juntaram a ele durante a viagem e desembarcaram com o apoio da Coca-Cola para fazer sair do papel o "Amazon Share", como foi batizada a plataforma de turismo comunitário.

"Outras quatro ideias evoluíram e também foram selecionadas para serem incubadas durante seis meses", explica Pedro Massa, diretor de Valor Compartilhado da Coca-Cola. A tarefa ficará a cargo da Impact Hub, recém-criada em Manaus.

É uma possibilidade de o administrador de empresas Carlos Silva, 36, tirar do papel seu projeto para evitar a descarga de fezes nos rios amazônicos, com a disseminação do uso de "banheiros secos" na região.

Ele e os companheiros de viagem listaram as necessidades para deslanchar o negócio: um terreno para o aterro e um investidor "anjo" para montar o piloto do projeto. É preciso ainda desenhar toda a logística de distribuição e coleta das privadas em caixas de madeira que usam pó de serragem em vez de água.

"É um projeto sustentável. Vamos distribuir e recolher as privadas gratuitamente e transformar os dejetos em adubo, que será vendido e o lucro reaplicado na empresa", acredita Silva.

EM TERRA FIRME

Dois dias depois, chegava ao fim da viagem de navio e tinha início um outro caminho para uma nova geração de empreendedores de Manaus e também para a Coca-Cola. "O The Boat Challenge é uma iniciativa moderna, pois a inovação não virá de dentro das grandes corporações, mas de fora", avalia Álvaro Almeida, um dos jurados do desafio e organizador da Sustainable Brands, rede global de conferências sobre tendências em negócios sustentáveis, que acontece em agosto no Rio.

"Cabe às grande empresas apoiar e dar escala a iniciativas inovadoras e que fazem sentido para o seu negócio", emenda o consultor.

Sua colega de viagem no Grand Amazon, a psicóloga Amanda Carvalho, que presta consultoria empresarial, despediu-se dos desafiantes do The Boat Challenge conclamando todos a colocar os pés no chão para ter sucesso em terra firme. "Agora é a fase mais difícil. Os empreendedores selecionados terão que lidar com muita frustração e mostrar capacidade de residência."

A editora ELIANE TRINDADE e o fotógrafo JOÃO WAINER viajaram a Manaus a convite da Coca-Cola


Endereço da página:

Links no texto: