Folha de S. Paulo


"Morte é normal. Desaparecimento, não", afirma mãe de desaparecido

"Um dia eu acordei e ele tinha sumido. Fui dormir mais cedo porque estava doente e na manhã seguinte a cama dele estava arrumada e ele, desaparecido." É assim que Miriam Torres, 52, relata o sumiço do filho, Jefferson, 24.

"A história é sempre a mesma, né", prossegue a faxineira que integra o grupo Mães da Sé, que reúne familiares de pessoas desaparecidas. Desde 12 de maio de 2014, ela não sabe o paradeiro do filho, que cursava economia na PUC-SP. "Não tem explicação. Ele nunca deu trabalho."

Miriam diz que Jefferson sempre foi estudioso, fez curso técnico em gestão e informática e trabalhou no IBGE, como concursado. Há mais de um ano, Miriam vive angustiada.

"Eu enterrei seis da minha casa. Meu pai, minha mãe, três irmãos e meu tio. A morte para mim é uma coisa normal. O desaparecimento, não."

CAMPANHAS DE MOBILIZAÇÃO

Para diminuir essa angústia, sentimento comum entre parentes de desaparecidos, a Mães da Sé realiza campanhas. Na quinta-feira (2), elas ganharam o apoio da HP e da FCB Brasil na iniciativa Imprima para Ajudar para espalhar cartazes de desaparecidos por diversas cidades do país.

Impressos em máquinas da HP, os cartazes trazem retratos dos desaparecidos e informações dos parentes. "O cartaz ainda é a opção mais eficiente para encontrar essas pessoas", explica Márcio Furrier, diretor de marketing da HP Brasil.

A campanha Imprima para Ajudar foi organizada pela agência de publicidade FCB Brasil, que entrou em contato com a Mães da Sé. A HP fornece a tecnologia de impressão remota de seus aparelhos, chamada de e-Print.

Desenvolvida parcialmente no Brasil, a inovação permite que arquivos sejam impressos via e-mail enviado à máquina. "No país, são mais de 1 milhão de impressoras com essa tecnologia", afirma Furrier.

Ele também explica que o cartaz desenvolvido pela FCB tem layout mais eficiente para visualização e utiliza poucos suprimentos da impressora. Assim, aparelhos cadastrados no site imprimem uma cópia dos cartazes para serem divulgados localmente.

O banco de dados do Mães da Sé aciona as máquinas em um raio a partir de 5 km e que pode chegar a mais de 100 km para encontrar impressoras disponíveis.

Para participar, é preciso ter uma impressora da HP com tecnologia e-Print e cadastrar o seu aparelho no site da campanha. Assim que uma pessoa desparecida próximo ao CEP participante for incluída no banco de dados, o cartaz será enviado para essa máquina para que uma cópia seja afixada em um local de visibilidade por quem desejar aderir à campanha.

A ideia é espalhar por todo o país os cartazes que possam ajudar na localização dessas pessoas.

BUSCA SEM FIM

Fundadora do Mães da Sé, Ivanise Esperidião, 53, também sofre com a ausência da filha, Fabiana, desde 23 de dezembro de 1995, quando foi vista pela última vez a 120 metros da porta de sua casa. "Na minha busca isolada, eu cheguei à beira da loucura."

Durante três meses, Ivanise foi todos os dias a hospitais e IMLs atrás da adolescente de 13 anos. Sua procura era solitária, segundo ela, pelo descaso da polícia e do Estado.

"Era tudo muito difícil. A mídia não tratava do assunto." Foi quando a chamaram para ir ao Rio, para contar sua história na novela "Explode Coração", da TV Globo.

Em seu relato, Ivanise pediu que mães com filhos desaparecidos ligassem para ela. "No dia seguinte, eu acordei com meu telefone tocando e não parou até hoje."

Muitas perguntavam quando e onde poderiam encontrá-la. Ivanise decidiu chamar todas para a praça da Sé, no centro de São Paulo, palco de manifestações, no domingo seguinte. "Aquelas escadarias estavam cheias de ponta a ponta."

Até hoje, as Mães da Sé, entidade oficialmente denominada Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas, se reúnem na praça quinzenalmente aos domingos. Apesar de manter o nome paulistano, mais de 10 mil pessoas do Brasil inteiro já procuraram a ONG atrás de ajuda.

Entre essas pessoas, há 4.233 histórias de sucesso. Mães que depois de muitos anos localizaram seus filhos, às vezes longe de onde desapareceram.

"Uma mãe de Santo André teve o filho achado no Espírito Santo porque a foto dele estava na carroceria de um caminhão", conta Ivanise, referindo-se à campanha realizada junto à transportadora Braspress.

Com as campanhas, a busca desses familiares passa a ser menos solitária. A interrogação, no entanto, segue junto a eles. "Eu fico pensando como minha filha está hoje, com 33 anos", conta Ivanise, sem conseguir conter as lágrimas.

Essa dúvida, segundo ela, mata os familiares aos poucos. Ao longo de 19 anos de atuação na entidade, ela contabiliza 12 mães e dois pais mortos sem encontrar os filhos. Ivanise já sofreu dois infartos e duas paradas cardíacas. Contraditoriamente, a busca também é o que os faz seguir adiante. "A esperança é o que mantém a gente vivo", diz Miriam.


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