Folha de S. Paulo


Gaúchas encontram na construção civil novo nicho de emprego para mulheres

Marta Grana, 49, trocou o escritório e o computador por uma colher de pedreiro. A primeira motivação foi a insatisfação com a qualidade do serviço prestado por operários que costumava contratar para reparos em sua residência, em Canoas (RS).

"Os construtores e pedreiros que passaram lá em casa levaram meu dinheiro e não trabalharam direito", critica a gaúcha. Foi quando decidiu, literalmente, colocar a mão na massa, ao procurar a ONG Mulher em Construção.

Ela se matriculou em um oficina com o sugestivo nome de Cimento & Batom, de onde saiu, em março, com um certificado e uma nova profissão. "Agora eu trabalho com piso, concreto, reboco, pintura." É autônoma e realiza pequenos reparos.

"Enquanto o homem tem mais força para carregar um saco de cimento sozinho, as mulheres trabalham em equipe. Carregamos em duas", diz a neófita no ramo da construção civil, tradicionalmente dominado pelo sexo masculino.

Os cursos da ONG são totalmente voltados para as mulheres como explica a fundadora Bia Kern. "Aqui, as aulas são em função do horário delas, que têm filhos na creche e outros compromissos durante o dia."

As aulas pensadas para o sexo feminino são necessárias pelo fato de as existentes no mercado serem moldadas para os homens, um reflexo do setor. A presença feminina na construção civil, apesar de ter dobrado entre 2006 e 2010, representava apenas 8% dos trabalhadores.

O aumento do desemprego entre mulheres, especialmente as mais velhas, tem levado um número maior de alunas para os cursos da ONG. "Temos muito casos de mulheres que ficaram sozinhas, já são mais maduras e não têm onde trabalhar", relata Kern.

Algumas participantes saem de lá com carteira assinada, através de uma parceria do Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil), mas há quem trabalhe como autônoma.

A passagem pela ONG Mulher em Construção serve também para melhorar a qualificação em outros serviços. "Muitas trabalham como diaristas e agregaram o conhecimento adquirido aqui ao trabalho delas, o que também elevou o salário", afirma Kern, referindo-se a pequenos reparos de manutenção, que suas ex-alunas passaram a oferecer para os patrões.

CONSTRUÇÃO PESSOAL

Os cursos, no entanto, não são apenas para desenvolver e aprimorar habilidades. "Mais do que as aulas, aqui tem uma construção pessoal. Vai passando o dia e não dá vontade de ir embora", conta Marta.

A fundadora explica que diversas oficinas, workshops e palestras são realizadas para lembrar as mulheres de cuidarem de si, ainda que estejam em um meio masculino. Entre esses eventos, idas a museus, cinema e teatro são organizadas e, recentemente, uma empresa de cosméticos esteve na ONG para ensinar maquiagem.

O trabalho, porém, vai além disso. Advogados falam com as mulheres sobre seus direitos e há uma psicóloga de plantão apara atendê-las. "Elas precisam aprender a trabalhar com a bagagem que trazem", esclarece Kern.

No intuito de dar independência às mulheres, uma das próximas iniciativas será ensinar sete índias de uma aldeia guarani a construir banheiros. Outro projeto está sendo desenvolvido em Balneário Pinhal, no litoral gaúcho, onde um mutirão feminino constrói casas para as mulheres da comunidade.

Todas elas sabem que optar por trabalhar na construção civil é um longo caminho a percorrer. Além de normalmente não terem as noções básicas para o ofício –sintoma de uma sociedade patriarcal–, elas sofrem com a discriminação.

"As pessoas têm um certo receio se a mulher vai fazer um trabalho bem feito", relata Marta. "Mas gente faz apenas de uma forma diferente com o mesmo resultado ou até melhor."


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