Folha de S. Paulo


'Não chore por estar desempregado, crie seu emprego', diz Nobel da Paz

Zerar a pobreza, o desemprego e a emissão de dióxido de carbono até 2030. São as três metas ambiciosas que saem da boca do economista Muhammad Yunus, ao proferir uma palestra para 70 brasileiros na sexta-feira, 1º de maio, em São Paulo.

"Para criar a base sólida de um mundo promissor temos que apagar as sequelas do que foi feito de errado até aqui", afirmou o prêmio Nobel da Paz, laureado em 2006 pela criação do "banco dos pobres", que levou o conceito de microcrédito para comunidades miseráveis ao redor do planeta.

Marcos Credie/Divulgação
O economista Muhammad Yunus profere palestra sobre empreendedorismo social para brasileiros, em SP
O economista Muhammad Yunus profere palestra sobre empreendedorismo social para brasileiros, em São Paulo

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Em visita ao Brasil, o professor lançou a Rede Yunus de Universidade. O objetivo é de atrair instituições interessadas em aprofundar sua atuação em negócios sociais.

ILHAS ACADÊMICAS

Yunus desafiou a plateia de acadêmicos e de empreendedores sociais que compareceu à sede paulista da Fundação Dom Cabral a seguir o seu exemplo. "Eu era professor universitário em Bangladesh, que tinha um campus bem estruturado e bonito, mas cercado de vilarejos devastados e acometidos de muita pobreza", iniciou ele.

Em vez de se isolar no mundo acadêmico, Yunus conta que criou o próprio caminho. "Fui visitar os vilarejos. Deixei a perspectiva superficial de um pássaro, que olha tudo de cima, e passei a enxergar a realidade como um animal terrestre, que olha para o outro".

E o que viu foi transformador: "Encontrei pessoas que brigavam para não ser engolidas pelos problemas. Ver aquela realidade de perto fez toda a diferença, pois a teoria econômica é vazia se não houver prática".

Sua incursão ao mundo real causava estranheza. "Os meus colegas me perguntavam o que eu estava fazendo. Mas minha vida não teria sentido se não tocasse a vida do outro. Não me servia uma vida acadêmica ilhada".

BANCO DOS POBRES

Yunus relata uma série de pequenas ações que resultariam no Grameen Bank, o chamado banco dos pobres. Ele percebeu de cara a ação devastadora de agiotas na vida dos miseráveis, que não conseguiam pagar os empréstimos. "O dinheiro é uma forma de escravidão do outro", angustiava-se. "Por que não empresto eu mesmo?".

E assim o fez. O primeiro socorro financeiro que deu foi de US$ 27. "Em um lugar tão pobre, aquilo causou uma transformação, resolvia problemas imediatos das pessoas". Nascia empiricamente o conceito que lhe daria o Nobel anos depois. "Comecei a ficar sem dinheiro e me perguntava: 'onde posso conseguir mais para emprestar?'".

A primeiro porta que bateu foi a da agência bancária dentro do campus. "Para aquele banco e para os demais, aquelas pessoas não se qualificavam para empréstimos porque não davam garantia de que pagariam o débito." Foi o que ouviu do gerente, que não tinha autonomia para definir novas regras.

Na busca por alternativas, o professor acabou virando banqueiro em 1983. "Não sabia como. Muitos me diziam não vai funcionar". Sua persistência foi compensada com adesão de colegas em outros países.

"Já provamos que microfinanciamento funciona em qualquer sociedade", diz Yunus. "É bom lembrar que metade da população mundial não tem conta em banco".

ALÉM DO FINANCEIRO

O professor passou a ver outros problemas nas comunidades carentes, não só os financeiros. Em suas visitas ao mundo real, Yunus relata encontros frequentes com crianças com problemas de visão, a chamada cegueira noturna, causada por deficiência de vitamina A.

"Os médicos sabiam da causa, mas não faziam nada. Não adiantava falar da importância de ingerir determinadas alimentos ou suplementos vitamínicos. Elas não tinha acesso. Comecei a levar sementes para que elas plantassem verduras e legumes".

Nascia o segundo negócio social de impacto do prêmio Nobel da Paz: o banco de sementes. Cada uma vendida a US$ 0,1, um valor simbólico. "Nos tornamos o maior vendedor de sementes do Paquistão", completa.

Os olhares tortos persistiam. "Se não gera lucro, não é um negócio de verdade", diziam. Causava desconforto o fato de um economista fazer algo absurdo do ponto de vista da teoria econômica clássica. "Meu papel era resolver um problema social, não gerar lucro. Então, pensei: 'Vou fazer entrar nos livros que há outro modelo de negócio, os sociais'."

E nadou contra a cartilha do capitalismo e a eterna busca de maximização de lucros. "Que sentido faz virar um robô, um mero multiplicador de dinheiro? Não somos robôs, somos seres humanos".

MENOS INDIVIDUALISMO

É a deixa para falar da necessidade de mudar comportamentos e paradigmas. "Não podemos ser um punhado de gente ávido por dinheiro. Não somos unidimensionais nem podemos aceitar esse individualismo", afirma.

E prega um novo conceito, o "selfless", um mundo menos egoísta e individualista, onde cada um possa enxergar o outro.

"Quem criou a concentração de riqueza e a disparidade entre riscos e pobres? As teorias econômicos capitalistas. Não pode ser tudo para mim e nada para o outro, nem tudo para o outro e nada para mim. É preciso restabelecer uma ordem mais equilibrada", defende Yunus.

Na cruzada pelos negócios de interesse social, ele frisa que não se deve demonizar as grande corporações como "malfeitoras". Ele, por exemplo, atraiu gigantes como a Danone para um grande programa de combate a desnutrição em Bangladesh.

Ao concluir a palestra, o professor conclamou os brasileiros a sair de suas zonas de conforto para buscar soluções criativas contra a miséria e também para criar postos de trabalho numa economia em crise.

"Temos que incentivar os jovens na universidade a serem criativos. É esse o caminho para surgimento de empreendedores sociais," diz.

Yunus enfatiza ser importante ter em mente não apenas a possibilidade de procurar trabalho, mas a de criar oportunidades de trabalho. "Não chore por estar desempregado. Crie seu próprio mundo. Assim chegaremos a zero de desemprego".

O Nobel da Paz propôs ainda um novo capítulo na área de negócios sociais. "Por isso, estamos fazendo um link entre universidades. Temos que levar esses conceitos à sala de aula, pois são os jovens que vão promover as mudanças futuras."


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