Folha de S. Paulo


Paranaense fabrica tijolo ecológico no quintal para o 'minha casa sem dívida'

O funcionário público Carlos Simino, 52, constrói desde dezembro do ano passado os pilares da sua nova moradia em Sobradinho, cidade satélite de Brasília.

Todo fim de semana, ele vai para a chácara de um amigo, que virou fábrica improvisada de tijolos ecológicos. "É o desejo da casa própria que move todo mundo", diz o assessor da Fundação Banco do Brasil.

Graduado em informática, o paranaense de 52 anos coloca a mão na massa de sol a sol todo sábado e domingo. Foi a saída que encontrou para realizar o sonho de uma moradia sustentável "financeira e ecologicamente" nas terras valorizadas do Distrito Federal.

"Financiar um apartamento é muito caro", explica. Para escapar de empréstimos a perder de vista com juros de mercado, ele segue à risca um planejamento que teve início ao investir R$ 80 mil de suas economias na compra de um terreno de 504 m² em um condomínio de classe média nos arredores da Capital Federal.

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TUDO SOZINHO

"A ideia é fazer tudo sozinho mesmo", diz. Ele só conta com a ajuda de um caseiro para molhar os tijolos ao longo da semana. A mulher, pedagoga aposentada, e a filha, formada em letras, são entusiastas do projeto, mas é ele quem pega no pesado.

Simino já teve uma primeira experiência em construção como auxiliar de pedreiro, ao ajudar a construir a casa da mãe em Curitiba, em 1983. Aprendeu os rudimentos com o pai, um mestre de obras, que hoje aos 85 anos não pode auxiliar o filho na nova empreitada. "Eu era menino, mas aprendi a trabalhar como pedreiro, eletricista, pintor e encanador."

O desafio como construtor adulto e autônomo será maior. "Essa de agora é mais planejada. Já tenho o conhecimento em obra convencional, que estou associando a uma nova tecnologia."

Dedica-se com afinco à primeira etapa: a produção em série de tijolos ecológicos, uma tecnologia que pesquisou na internet e que também conheceu mais de perto em um dos projetos apoiados pela Fundação Banco do Brasil, onde bate ponto na gerência de pagamentos.

"É um tijolo feito com terra e cimento, numa proporção bem mais econômica, que utiliza solo local, mais arenoso, e um pouco de água, sem necessidade de colocar no forno para queimar."

Cada bloco fica uma semana ao sol, em processo de cura, necessitando ser molhado duas vezes ao dia, única tarefa terceirizada no processo até aqui.

SEM QUEIMAR LENHA

O tijolo convencional utiliza argila e vai ao forno a uma temperatura de 1.800°C. "É um processo antiecológico, pois usa lenha na queima e produz gases", diz. Simino lembra entusiasmado que a "nova tecnologia verde" é, na verdade, a recuperação de uma técnica milenar.

Tijolos ecológicos têm sido desenvolvidos como tecnologia social para utilização em mutirões em áreas carentes. "É uma solução barata e ecologicamente sustentável para a falta de moradia no país", aposta o funcionário público.

Ele narra o processo caseiro: "Uso a proporção de dez medidas de terra para uma de cimento". A mistura vai para um máquina que faz a prensa dos tijolos de encaixe. "É um lego, já que eles vão ser encaixados um a um. Parece diversão."

Até chegar a hora de levantar paredes, eles precisar produzir os 6.000 tijolos necessários para a obra. Em três meses de trabalho, ele já contabiliza 2.200 unidades, um terço do que vai precisar para dar forma à edícula desenhada para ocupar o fundo do terreno.

CASINHA X CASARÃO

A ideia é começar a obra em junho, ficando os alicerces de uma casinha de 55 m², com dois quartos, cozinha e banheiro. "Vai ser a minha casa sem dívida", brinca ele, parodiando o Minha Casa Minha Vida, programa de moradia popular do Governo Federal. "Não estou apelando para nenhum tipo de financiamento. É na base do sacrifício. Vou juntando daqui e dali. Não é fácil. o trabalho é pesado, mas vale a pena."

Um contraste e tanto com as tarefas burocrática ao longo da semana. No entanto, fabricar tijolos trouxe um benefício extra para Simino. "Estou mais saudável, perdi peso e melhorou minha disposição."

A saúde financeira também agradece. Cada tijolo ecológico tem o custo final de R$ 0,25, dez centavos mais barato que o tradicional. O funcionário público estima um gasto de uns R$ 15 mil para erguer a residência. "Se fosse contratar mão de obra e fazer um obra convencional ia gastar por baixo R$ 30 mil." Residências na área são anunciadas a R$ 200 mil.

O feliz proprietário planeja plantar ali um casarão no futuro. "Quando estiver morando lá, quero ir construindo aos poucos uma casa maior, de verdade, com a mesma técnica e também com minhas próprias forças."

O importante é se livrar do aluguel de R$ 1.300 por um apartamento de 48 m², menor do que a primeira etapa do seu sonho de moradia sustentável. "No início, o pessoal me chamava de louco", conta. Ele rebatia: "Por que temos que pagar para fazer uma casa? Onde fica o prazer de realizar?"

Os vizinhos que olhavam torto quando o viam chegar todo sujo de terra, agora começam a abrir os olhos para a conquista tijolo a tijolo do "construtor de fim de semana".


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