Folha de S. Paulo


A internet não serve a revoluções, mas a mudanças diárias, diz Ben Rattray

Ben Rattray tinha como plano de vida trabalhar no mercado financeiro, fazer fortuna e se aposentar aos 35 anos. Hoje ele tem 34 e nada disso aconteceu. O americano preferiu fundar a change.org, plataforma online de abaixo-assinados que tem 70 milhões de usuários no mundo.

Rattray mudou de objetivos quando seu irmão revelou ser gay e disse que sofria ao ver pessoas boas que nada faziam contra a homofobia. Ele falou à Folha por telefone de seu escritório em São Francisco.

Divulgação
Ben Rattray, 34, fundador e presidente da change.org
Ben Rattray, 34, fundador e presidente da change.org

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Folha - Como podemos usar a internet para conseguir mudança de verdade e não ficar só no "ativismo de sofá"?
Ben Rattray - Acho que a razão para o ceticismo em relação às campanhas e abaixo-assinados on-line tem a ver com a forma como eram feitos. Os abaixo-assinados eram direcionados às Nações Unidas, a presidentes, a parlamentos. Essas são instituições sobre as quais os cidadãos não têm impacto imediato. A transformação que vimos é que as pessoas estão usando as mesmas ferramentas de ativismo digital para obter mudanças locais. É mais fácil para as pessoas que estão atacando problemas locais transformar essas campanhas em ações off-line.
Não há ferramenta mais eficaz para engajar as pessoas off-line do que a internet. Parece um paradoxo, mas por causa da capacidade massiva de distribuição, o número de pessoas que você consegue alcançar on-line é enorme. Nós não pensamos: "como fazemos as pessoas saírem da internet?". Essa é apenas uma das táticas que se pode usar. Outras incluem arrecadar dinheiro, ligar para políticos, falar com a mídia, falar com doadores de uma ONG ou com conselheiros de uma empresa. Não somos dogmáticos em relação aos meios, nos importamos com os fins.

Então vocês têm campanhas que tiveram sucesso usando um mix de táticas, não só o abaixo-assinado.
Os abaixo-assinados frequentemente são o começo da mobilização e não o final. Uma campanha que ilustrou isso foi Action South Africa, feita por uma mulher na África do Sul cuja amiga foi estuprada. Essa amiga era lésbica e um homem queria torná-la heterossexual, um fenômeno conhecido como "estupro corretivo" que o governo vinha ignorando.
Em sete dias, ela conseguiu 170 mil assinaturas de pessoas em sete países. Aí a mídia começou a cobrir a campanha. Ela convidou as pessoas que haviam assinado para se manifestar na frente do parlamento. Após várias semanas, o governo se desculpou e criou uma força-tarefa. As manifestações off-line foram um componente crucial da campanha, mas elas não teriam acontecido sem o abaixo-assinado viral.

O abaixo-assinado dá uma validação de que muita gente que se importa?
Sim. Queremos um mundo em que os governos e as empresas têm um incentivo para respeitar a vontade e as necessidades do povo. A dificuldade de protestos é que é muito difícil de manter a mobilização nas ruas. Se você é um governo ou uma empresa que é alvo de manifestações, o melhor a fazer é esperar: você ignora os manifestantes e espera que eles vão embora. É muito difícil manter manifestações por vários dias. Uma vez que as pessoas se dispersam, você não tem como reagrupá-las, aí você perde poder. O poder do abaixo-assinado é a possibilidade de, de tempos em tempos, voltar ao grupo e pedir que ele aja novamente.

Nós vimos grandes protestos no Brasil, no Oriente Médio e mais recentemente em Hong Kong, organizados pela internet. Mas eles se dispersaram e ao menos no Brasil a percepção é de que não houve muita mudança. Como as pessoas podem usar a internet para manter a pressão?
As pessoas pensam que a internet servirá para revoluções, mudanças gigantescas de uma só vez. Nós pensamos na internet sendo usada para a evolução diária. Você pode ter pressão constante por mudanças nacionais com foco local. Se você é um governo que está enfrentando manifestações, você espera passar ou você promete algo que não tem a menor chance de ser feito. Como garantir que essas promessas sejam cumpridas? Se você tem um milhão de emails de pessoas que pediram algo, você pode ativá-las para fazer pressão. Isso é muito poderoso.

Por que vocês decidiram se focar apenas em abaixo-assinados?
Você pode entrar em uma comunidade on-line, por exemplo, pedindo ação contra a mudança climática. Mas o que você faz em depois? Não está claro. Ou você pode assinar uma petição pedindo que a Câmara dos Vereadores proíba as sacolinhas plásticas. Esse último parece menor, menos empolgante, mas é muito mais poderoso, porque é possível vencer. Com essa campanha você tem uma chance muito maior de conseguir uma mudança real e começar uma discussão maior sobre clima.

Temos visto muitos sites como os de "crowdfunding" que usam o poder de juntar grandes números de pessoas por uma causa. Você acha que isso é uma tendência que vai crescer?
Acho que estamos no começo de uma revolução na forma como as pessoas vão se juntar a outras para conseguir objetivos que é impossível alcançar individualmente.
Você tem situações em que várias pessoas querem algo, como limpar seu bairro ou melhorar seus parques. Se essas pessoas se juntarem em tempo real você tem uma mudança dramática de comportamento.
Nós vemos o celular como uma espécie de controle remoto do mundo. Se você estiver andando por aí e vir um parque, pode ser avisado na hora que há uma campanha para reformá-lo. A mesma coisa pode ser feita com "crowdfunding", você está passando e vê um terreno baldio e fica sabendo pelo celular que alguém quer construir uma escola ali, e na hora já pode doar um dólar, ver se seus amigos estão doando. Ainda não temos ideia de como a internet móvel e a geolocalização vão ser poderosos.

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RAIO-X - BEN RATTRAY, 34

FORMAÇÃO
Formado em ciência política e economia por Stanford e pela London School of Economics

CARGO
Fundador e presidente da change.org


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