Folha de S. Paulo


Com funk ostentação, grupo leva conscientização a jovens da periferia

"Ostentação é aprender, o estudo valorizar, adquirir conhecimento, minha meta conquistar". São com essas palavras e uma mistura de funk com rap que MC Oz, ao lado de seus colegas do MCs pela Educação, abre seus shows para plateias lotadas de estudantes de escolas públicas da periferia de São Paulo. Oziel Ferreira, 29, foi usuário de cocaína e dependente de álcool durante a adolescência. Recuperado, utiliza o funk para mudança social.

Diferentemente de MC Guimê, MC Dede e MC Rodolfinho –expoentes do funk ostentação que exaltam em suas letras roupas de marca, carros e dinheiro–, o MCs pela Educação passam a mensagem de incentivo aos estudos e conscientização para evitar o consumo de bebidas alcoólicas antes dos 18 anos.

Apu Gomes/Folhapress
MCs pela Educação durante apresentação em uma escola pública de São Paulo
MCs pela Educação durante apresentação em uma escola pública de São Paulo

O grupo resolveu utilizar dois dos gêneros musicais de grande influência nas periferias de São Paulo, o rap e o funk, e uma linguagem de jovem para jovem para atingir seu público alvo. Eles lançaram o álbum "Consciência e Atitude" e fazem parte de uma parceria do Instituto Gerando Falcões e da Ambev.

"Dialogar com o jovem é uma missão dura. Resolvemos construir uma narrativa de conscientização por meio do rap e do funk", explica o fundador do Instituto Gerando Falcões, Eduardo Lyra. O projeto vai rodar escolas públicas de São Paulo até o final do ano, focando na zona leste. Cerca de 20 mil jovens do ensino médio serão atendidos. Os alunos que assistirem aos shows entrarão em um programa de mentoria, onde receberão informação em artigos, vídeos sobre a importância dos estudos e o risco em ingerir bebida alcoólica.

"Queremos fazer do show um lugar criativo. Acreditamos que a escola tem que ser um lugar vibrante, ser tudo aquilo que não está no Google", diz Lyra. "Temos que colocar cultura dentro da escola. A música consegue debater a vida cotidiana desses jovens na periferia", complementa. Segundo Lyra, a intenção das letras dos MCs é construir um novo raciocínio entre os jovens de que um futuro diferente é possível.

EXPERIÊNCIA PRÓPRIA
Le Maestro, 27, um dos MCs do grupo, é um exemplo. Nasceu no extremo da zona leste, em um bairro cercado pelo tráfico e pela violência. Aos seis anos viu policiais pularem o muro de sua casa: seus tios eram assaltantes. Presenciava produtos roubados e drogas chegando diariamente. Seu pai se tornou alcoólatra, sua mãe foi trabalhar fora e seus irmãos se tornaram dependentes de droga.

"Minha família estava destruída. Eu era skatista e participava de campeonatos. Mas aos 15 anos fui em uma balada e comecei a beber. Gostei", conta. Ele abandou a música e o esporte e se tornou dependente de cocaína. "Tentei parar várias vezes, cheguei a ter overdose. Quase morri. Depois de oito anos, fui para uma clínica e me internei", relembra.

Na clínica, ele escreveu a primeira letra de música, despertando para a vocação. Logo conheceu Lyra, passou por mentoria, gravou um CD e fez um curso na Universidade Federal de Santa Catarina, onde aprendeu a agir no combate e prevenção as drogas e aconselhar dependentes. Virou coordenador de arte e cultura do projeto. E, há dois anos, foi nomeado pelo Fórum Econômico Mundial como um dos 15 jovens brasileiros que têm potencial de mudar o mundo.

Se juntaram a Le Maestro e MC Oz, MC Pedro, 13–escolhido como revelação do rap em sua escola– MC Vini, 14, que nunca ingeriu bebida alcoólica e quer ser rapper, e MC Lucas, ex-interno da Fundação Casa.

"Por nossa experiência na prática, percebemos que existe um buraco grande na educação e as formas convencionais para lidar com isso. Para atingir esses jovens que estão na ponta, onde os recursos não chegam, tinha que inovar a forma de falar", diz Le Maestro. A ostentação e a batida das músicas fascinam os alunos, o que, segundo o músico, facilita a transmissão da mensagem.

A ideia do grupo já vem repercutindo na escola de Crislaine Pereira, 17, onde o Gerando Falcões faz um trabalho ativo. "Gosto das letras porque não têm palavrão. Os alunos ficam mais empenhados nas aulas e animados quando tem show", diz.

"Temos o problema da bebida entre os jovens. Mas ele se encantam com a possibilidade de conhecer pessoas que tiveram sucesso na vida", afirma Antonio Torquato, coordenador do ensino médio da escola de Crislaine.

MC Oz conta que, nas conversas com os estudantes o que eles mais pedem são conselhos de vida. "Eles têm baixa autoestima e dificuldade de acreditar que o talento pode levá-los a algum lugar, querem mas não sabem como e enxergam na gente a oportunidade", diz.


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