Folha de S. Paulo


Empresa que preserva biodiversidade ganha selo de certificação

Não são só textos científicos e jornalísticos que trazem argumentos para a necessidade da preservação da biodiversidade. O tema está cada vez mais presente no ambiente empresarial, e o Instituto Life desenvolveu uma certificação como forma de dar reconhecimento a organizações que têm programas voltados à conservação.

Reconhecido pela CDB (Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica), o instituto foi criado com o intuito de aumentar o engajamento do setor privado para o tema. Há cinco anos, começaram as pesquisas para a certificação Life. Envolveram, segundo Miguel Milano, presidente do conselho-diretor, empresários, representantes do terceiro setor e da academia.

A intenção é fazer com que empresas reduzam o impacto produzido com suas atividades por meio de ações compensatórias orientadas por entidades com credibilidade no tema ambiental. "É uma forma de envolver o terceiro setor. O investimento em ações compensatórias pode ser feito em ONGs, que se beneficiam das decisões tomadas pelas empresas para obter a certificação", diz Milano.

Tornar o selo atrativo aos empresários é uma das preocupações, já que existem várias iniciativas. Se considerarmos outra certificação ambiental, a ISO 14001, uma norma internacional que define requisitos para um sistema de gestão ambiental, desde 2001, segundo o Inmetro, 2.253 organizações foram certificadas no país. Desde 2010, porém, o número de certificados emitidos caiu para menos de uma centena por ano.

O setor privado dá preferência hoje a selos abrangentes, em detrimento a várias certificações segmentadas, na avaalição de Luís Fernando Guedes Pinto, gerente de certificação agrícola do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e finalista do Prêmio Empreendedor Social 2012. "Eles querem uma certificação só ou algo complementar. O interessante na Life é que é multissetorial e tem uma mensagem clara ao consumidor final."

"Trata-se de uma ferramenta nova, complexa, por isso a procura ainda não é grande. Por ora, temos duas instituições que mostraram interesse. Uma delas é a Itaipu Binacional", exemplifica Tânia Mello de Carvalho, gerente-executiva do Tecpar Certificação, que tem auditores capacitados para o novo selo.

Consultado na fase de refinamento da metodologia, Amaro Pereira, professor de programas de planejamento energético da Coppe/UFRJ (instituto de pós-graduação e pesquisa de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirma que o chamariz para a empresa é a própria preservação da biodiversidade. "O mecanismo contribui muito com a imagem da organização. Todas as empresas hoje dizem que são sustentáveis, mas só falar não adianta. Você tem que ter algo que comprove essa sustentabilidade, e a Life oferece isso."

METODOLOGIA
A metodologia do instituto inclui um ranking avalizado por especialistas de universidades e do governo para estabelecer valores às ações de conservação feitas pelas empresas: separar lixo, dar aulas de educação ambiental às comunidades, adotar um parque, ter área de RPPN (Reservas Particulares do Patrimônio Natural), tudo passou a ser mensurado segundo o grau de conservação da biodiversidade e a prioridade da manutenção da área.

Também foi elaborada uma lista de fatores que avaliam o impacto da empresa na biodiversidade, independentemente do segmento, posteriormente transformada em números: emissão de carbono, geração de resíduos, consumo de água e de energia e área afetada.

De posse desses dados, foi criada uma equação com uma nota de corte mínima para a obtenção da certificação. Para aumentar a nota, a empresa deve avaliar o relatório da auditoria para decidir onde pode agir para "subir" a sua cotação.

Esse direcionamento, em que adotar um parque vale mais do que levar professores para dar uma aula sobre ambiente numa escola pública, por exemplo, pode levar a um desequilíbrio na hora de escolher as ações de compensação. Mas o Instituto Life não vê nisso um problema. "Sempre haverá interesses diversos, mesmo para as pequenas ações. As pessoas têm suas preferências, não é só matemática", avalia Milano.

Guedes Pinto, do Imaflora, afirma que as compensações são uma saída para as empresas. "Mas precisa ser definido, primeiro, que tipo de ação é aceitável e, portanto, compensável. O fundamental é a transparência, para que a sociedade saiba qual dano provocado pela organização foi compensado para que conseguisse a certificação."

O selo, que pretende ser internacional, surgiu no Brasil não por acaso: é o país que concentra de 15% a 20% da biodiversidade mundial. Saulo Ceolin, chefe da divisão de Meio Ambiente do Ministério de Relações Exteriores, presente ao workshop de apresentação da certificação Life, ressalta que a discussão do tema no setor privado pode trazer benefícios à questão do novo marco legal.

"A legislação atual brasileira é burocrática, o setor privado sempre aponta isso. Precisamos da definição do marco legal ambiental para que as empresas consigam usar nossa biodiversidade sem prejudicar o país. Do jeito que está, há seis anos em discussão, é um incentivo para que não se cumpra a lei."

ADVOGADO VERDE
O escritório de advocacia Gaia, Silva, Gaede & Associados foi o primeiro a conseguir a certificação. Para chegar a ela, Henrique Gaede diz que começou do básico corte de impressão, de copos plásticos e separação de lixo e partiu para o mais complexo _apoio à preservação da RPPN Fazenda Santa Maria, com 400 hectares, em Antonina (PR). "Obter o reconhecimento envolve uma série de ações. Mas a questão ambiental se tornou indispensável, não dá para ignorar", afirma.

Gaede não fala nos custos para a obtenção do selo. Diz apenas que o investimento é também uma medida estratégica para o escritório. "Ele é o reconhecimento de que existe a preocupação ambiental na empresa. Agora temos de trabalhar pela manutenção dos parâmetros pelos próximos cinco anos", conta, que é quando os auditores farão nova avaliação do escritório.

"Não é só uma questão importante para os sócios. A equipe está envolvida. Temos dois profissionais responsáveis pela área de preservação, que vão a campo e tomam decisões. Eles não vão querer abandoná-la. Isso só aumenta a pressão e a nossa responsabilidade."


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